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sexta-feira, 8 de março de 2019

Os rios da Ecorregião de São Thomé na cartografia do século XVI

Por Arthur Soffiati

Aos poucos, os rios do norte do Rio de Janeiro e sul do Espírito Santo vão figurando na cartografia do século XVI.


Entre todos, o Paraíba do Sul não é o mais importante, como se poderia pensar. O que merece mais destaque é o rio Managé, grafado em várias cartas como Manangea, dependendo da língua do cartógrafo. Trata-se do atual rio Itabapoana. No período colonial, ele assume, aos poucos, a condição de limite entre as capitanias do Rio de Janeiro e Espírito Santo. O rio Managé não ganhou, nos primeiros dias das duas capitanias, grande relevância política, mas sua presença na cartografia é frequente. Talvez por Pero de Gois ter erguido a vila da Rainha, sede da Capitania de São Tomé, em sua margem direita.

Na carta de doação da capitania de São Thomé a Pero de Gois, os limites são imprecisos. Ao sul, a divisa norte da capitania de São Vicente; ao norte, o Baixo dos Pargos. A dificuldade de localizar o baixio levou Gois a firmar um acordo com Vasco Fernandes Coutinho. De acordo com ele, a divisa entre as duas capitanias foi estabelecida no rio Tapemiry, no sul do atual Espírito Santo. Ele passará a se chamar rio Itapemirim no decorrer dos séculos seguintes. O rio deveria aparecer na cartografia por sua importância política, mas é grande sua ausência nas cartas. Só no século XVII, ele aparecerá ainda com certa eventualidade. 

O rio Guaxindiba tem uma bacia tão diminuta que só os mapas atuais o registram. Ele não representou nenhuma importância para a navegação e a colonização, embora a Vila da Rainha, sede da capitania de São Tomé, tenha sido erigida em suas proximidades. Os movimentos de seu donatário no âmbito da capitania tiveram curto alcance. Pero de Góis subiu o rio Managé até a última queda d’água. Era mais comum ele fazer longas viagens a Portugal e às costas do Brasil do que percorrer as terras dos seus domínios.
Carta de Diego Gutierrez (1562) assinalando São Thomé, 
São Salvador, Baixo dos Pargos, rio do Brasil e rio do Gado

O rio Paraíba do Sul demorou um pouco a ser registrado nas cartas. Parece que sua foz foi confundida com uma baía ou enseada. Ora ele aparece como rio São Salvador, o que nos leva a pensar que esse nome é anterior ao século XVII, ora com o nome de Paraíba ou Paraíva. Já no Atlas Miller, de 1519, assinala-se a baía de Salvador. Ele não chamou tanto a atenção de cartógrafos e cronistas dos primeiros tempos. Por sua grandeza, os rios que causaram forte impressão nos portugueses foram o Amazonas, o Parnaíba, o São Francisco e o da Prata. Até mesmo o rio Doce figura nas cartas como tendo alguma significância. O Paraíba do Sul, contudo, não mereceu muita atenção até o século XVII.
Rios Managé, Paraíba do Sul e Macaé, 
assim como o cabo de São Thomé e a ponta do Salvador, 
na carta de Johannes van Doetechum (1585)
Logo abaixo do rio Paraíba do Sul e quase correndo paralelo a ele, havia outro rio resultante da planície deltaica. Ele será batizado de Iguaçu no século XVII. O curso d’água serviu de ponto setentrional para a demarcação das sesmarias requeridas pelos Sete Capitães e pelos Jesuítas, ao saberem que a capitania de São Tomé havia sido devolvida à Coroa Portuguesa. Em sua primeira expedição ao norte do Rio de Janeiro para tomar posse das sesmarias, em 1632, o rio Iguaçu foi o primeiro a ser descrito em famoso e discutido roteiro deixado pelos Sete Capitães. 

O rio Iguaçu nascia no sul da lagoa Feia e corria paralelo à costa, avolumando-se com outros defluentes da grande lagoa e do próprio rio Paraíba do Sul. É um curioso rio que teve como afluentes não propriamente rios, mas cursos d’água que extravasam do Paraíba do Sul em suas cheias para o Iguaçu. Inclusive, o Paraíba do Sul se bifurcava na altura da hoje cidade de Campos, com um braço dirigindo-se ao mar onde atualmente situa-se sua foz, e outro dirigindo-se ao sul e se encontrando com o Iguaçu quase no cabo de São Tomé onde, barrado pela restinga, formava um grande banhado. 

No século XVII, esse braço em direção ao sul foi batizado de córrego Grande ou do Cula, com seu leito todo retalhado e descaracterizado, atualmente. O banhado recebeu o nome de Boa Vista. No século XVI, não havia ainda o canal que o capitão José de Barcelos Machado abriu entre o Iguaçu e o mar a fim de escoar água das cheias mais rapidamente para o mar. A abertura da vala foi empreendida no final do século XVII. Esse canal e sua desembocadura no mar foram chamados de vala e barra do Furado, respectivamente.

A planície na margem direita do rio Paraíba do Sul é ligeiramente inclinada em direção à costa marítima. Por isso, os transbordamentos do rio por essa margem, ainda hoje, correm em direção ao mar. Essas águas eram colhidas pela bacia do Iguaçu. Mesmo esse rio, em seus transbordamentos, lança ainda água em direção ao mar, formando banhados. Por esbarrar numa crista de praia muito espessa e compacta, essas águas ficavam represadas ou encontravam estreitas passagens temporariamente abertas para alcançar o oceano. Era o caso da Barra Velha, num lagamar formado pelo rio Iguaçu.

No “Roteiro de todos os sinais na costa do Brasil”, do afamado cartógrafo português Luís Teixeira, há a descrição de um trecho da costa da planície formada por uma longa faixa ininterrupta de areia que começa após o cabo de São Tomé e termina na margem esquerda do rio Macaé. Do mar, é essa a impressão que se tinha. E todos os cartógrafos conheciam a costa à distância, vendo-a da nau em que estavam. Notadamente, na costa do norte do Rio de Janeiro, pairava o medo dos índios.
Carta de Levinus Hulsius (1599), registrando Magaue, 
Parabia, cabo de São Thomé e ponta do Salvador, 
em grande parte de forma confusa

Se o reconhecimento fosse feito por terra, notar-se-ia que essa longa e ininterrupta costa começava na foz do rio Iguaçu, pouco ao norte do cabo de São Tomé, e se estendia até a margem esquerda do rio Macaé. Em frente a foz desse rio, localiza-se o arquipélago de Santa Ana. Na sua ilha maior, há uma fonte de água doce e limpa que permitia as aguadas (abastecimento de água) das naus que buscavam a baía do Rio de Janeiro e outras partes da costa sul do Brasil. Nos retornos, elas também se abasteciam na ilha de Santana, pois sua distância em relação à costa permitia que se evitasse a ancoragem na foz do rio Macaé. Era grande o receio que os europeus tinham dos índios goitacás, pois sua reputação de selvageria era uma das piores que existiam.

Nas cartas, vinha assinalado apenas Mag-he e Magaue. Os cartógrafos dos primeiros tempos identificavam também um certo rio de Gado, que poderia ser o rio Macaé. Sabe-se que, seu nome se fixou por muito tempo como rio dos Bagres. Progressivamente, o étimo Macaé se consolidou. 

A cartografia europeia do século XVI oscila muito quanto aos contornos continentais, disposição dos acidentes geográficos e a forma de grafá-los. A procedência dos cartógrafos era bastante diversificada: portugueses, espanhóis, italianos, franceses, alemães, holandeses e ingleses. Era frequente a cópia e o atraso na atualização. A interpretação dos nomes ficava por conta de cada um, de acordo com o entendimento dos nomes e a forma de grafá-los. 

Nas cartas do século XVI, eram comuns ilustrações com animais fantásticos e com costumes dos povos nativos, geralmente a antropofagia. A guerra entre grupos indígenas, o abate e o esquartejamento de pessoas, partes do corpo penduradas em árvores, hidrografia mirabolante no interior do país. Eram temas muito recorrentes. Eles eram despertados pelo maravilhamento e pelo medo ao mesmo tempo. 

Leituras

TEIXEIRA, Luís. Roteiro de todos os sinais na costa do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1968.
GABRIEL, Adelmo Henrique Daumas e LUZ, Margareth da (orgs.); FREITAS, Carlos Roberto B.; SANTOS, Fabiano Vilaça dos; KNAUS, Paulo; SOFFIATI, Arthur (notas explicativas) e GOMES, Marcelo Abreu. Roteiro dos Sete Capitães. Macaé: Funemac Livros, 2012.
MICELI, Paulo (texto e curadoria). O tesouro dos mapas: a cartografia na formação do Brasil (catálogo). Rio de Janeiro: Instituto Cultural Banco Santos, 2002.
GUEDES, Max Justo. A cartografia impressa do Brasil: os cem mapas mais influentes (1506-1922). Rio de Janeiro: Capivara, 2012.

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