Por Arthur Soffiati
Restinga
Restinga é um terreno continental costeiro constituído de areia transportada pelo mar. Para que a areia se fixe na costa, é necessária uma formação pedregosa para retê-la. Não havendo pedra, o jato de um rio em sua foz pode funcionar como elemento de retenção. No Brasil, as restingas são mais comuns entre o sul da Bahia e o Rio Grande do Sul.
Restinga de Paraíba do Sul
Uma das maiores restingas do Brasil se encontra entre o rio Guaxindiba e o canal da Flecha, antes mesmo que este existisse (pois foi aberto por ação humana). A conjugação de fortes correntes marinhas e o jato hídrico do rio Paraíba do Sul foram os responsáveis pela construção dessa restinga. Entre o canal da Flecha e a lagoa do Açu (que já foi um rio), as fortes correntes marinhas não permitiram que a restinga engordasse. Assim, nesse trecho, formou-se um estreito cordão arenoso de 28 quilômetros. Entre a lagoa do Açu e o rio Guaxindiba, a restinga adquire o formato de meia lua, sendo a parte mais larga dela na altura da foz do rio Paraíba do Sul.
Restinga de Paraíba do Sul: amarela limitada por linha vermelha. Mapa de Alberto Ribeiro Lamego – 1954
Antes da colonização europeia
Em termos de vegetação nativa, espécies da Mata Atlântica desceram da zona montanhosa e ganharam a restinga. A salinidade e os forte ventos selecionaram as plantas. Na parte da restinga mais afastada do mar, cresceram árvores de até 25 metros. Na zona central, a vegetação é arbustiva. Junto à costa, a vegetação se torna herbácea e rasteira por força da salinidade e dos ventos.
A fauna terrestre também desceu de Mata Atlântica. Ainda se encontram mamíferos de pequeno porte aonde perduram manchas expressivas de vegetação. As aves também apreciam a vegetação de restinga. Muitos invertebrados vivem na restinga de Paraíba do Sul. Mas várias espécies se encontram ameaçadas de extinção pelo desmatamento, drenagem de lagoas, agropecuária, urbanização e grandes empreendimentos portuários.
O povo nativo que dominava a restinga antes dos europeus era o goitacá, do grupo linguístico macro-jê. A colonização europeia se incumbiu de exterminá-lo.
Os eixos de colonização europeia da Restinga de Paraíba do Sul
Os dois mais antigos eixos de colonização da restinga em moldes europeus são a foz do rio Paraíba do Sul e o rio Iguaçu. Perdura, ainda hoje, uma disputa provinciana sobre as origens do Norte Fluminense. Para historiadores de São João da Barra, os primeiros colonizadores da restinga foram pescadores liderados por Lourenço do Espírito Santo, em 1622. Para os historiadores de Campos, ela teria sido iniciada pelos Sete Capitães, em 1632. Dez anos separam a disputa entre pescadores e latifundiários. O documento Roteiro dos Sete Capitães confere vantagem aos latifundiários, pois relata com detalhes as três viagens empreendidas pelos capitães, que requereram terras entre a foz do rio Macaé e a foz do rio Iguaçu. Por seu turno, os pescadores que se instalaram na foz do Paraíba do Sul, onde hoje se localiza o famoso distrito de Atafona, não registraram sua chegada ao local por documento escrito. Contudo a defesa de precedência feita pelo historiador João Oscar está bem fundamentada e merece crédito. Assim, levantamos os seguintes eixos de colonização europeia da restinga de Paraíba do Sul, observando que a formação do que denominamos de Ecorregião de São Tomé começou pela restinga de Paraíba do Sul.
Eixo 1: rio Paraíba do Sul
Como dissemos, este eixo começa a se constituir em 1622, com a chegada de pescadores vindos de Cabo Frio. A tradição diz que o pescador Lourenço do Espírito Santo, navegando sozinho, aportou na foz do Paraíba do Sul e se encantou com a riqueza do lugar para a pesca. Voltou, então, a Cabo Frio e trouxe companheiros seus para o local que futuramente se transformaria em Atafona. Sua esposa teria se afogado no estuário do rio Paraíba do Sul. O acontecimento fatídico teria motivado a transferência dos pescadores para local mais afastado do mar, onde hoje se situa a cidade de São João da Barra, também na margem direita do maior rio da restinga.
No relatório do Marquês de Lavradio entregando o vice-reino do Brasil a Luiz de Vasconcellos e Sousa, em 1799, o Distrito de Campos dos Goytacazes ocupa lugar de destaque, mas não a vila de São João da Barra, dentro desse distrito. Como o relatório tratava de todo o Brasil, não podia se esperar que fosse detalhado com relação a todos os distritos e freguesias. Ele anota que, em São João da Barra, “(...) da parte do Norte para a parte dos Campos Novos, se acha uma sesmaria de Mateus Ruiz e outra de Nazario Antônio no sertão chamado das Cacimbas, ambas com muito pouca cultura por se dizer não serem boas terras, e o mais que delas se utilizam é de canoas, que se fazem nos ditos matos para vender (...) Pelo Rio Paraíba da parte do Norte acha-se por cultivar uma sesmaria de Pedro da Rocha, pela razão do gentio, que até o presente fazia naquele lugar suas hostilidades, mas agora, que eles se vão domesticando, e há herdeiros de Pedro da Rocha, se poderá cultivar; e toda a terra desta sesmaria para cima está devoluta. E da margem do Sul se acha outra sesmaria de Pedro da Rocha também por cultivar pela mesma razão do gentio, e daí para cima estão as terras da mesma forma sem cultura.”
Campos Novos perdura, nos dias atuais, com o nome de Campo Novo. Lavradio responsabiliza os povos indígenas (gentios) pelo abandono das sesmarias (terras doadas a quem já tinha posses). Ao mesmo tempo, diz que eles estão sendo “domesticados”. Esclarece que as terras não são boas e que só fornecem madeiras (matos) para fazer canoas. Requerer terras apenas porque nada custam a quem já tem outras nem sempre é bom negócio. Couto Reis explica, mais adiante, que essas terras eram arenosas em grande parte da margem esquerda do rio Paraíba do Sul. Pelo menos, até o rio Guaxindiba (algo que ele não esclarece). Da mesma forma, Pedro da Rocha tinha terras na margem direita do Paraíba do Sul. Acontece que se trata de terrenos na restinga de Paraíba do Sul, cujo solo é arenoso e pouco fértil. Não valendo a pena o custo de cultivá-las, elas eram abandonadas. Não por causa exatamente da resistência indígena. Quanto à madeira para construir embarcações, a parte arenosa do Sertão das Cacimbas ainda contava com árvores de porte. Do contrário, elas provinham da parte de tabuleiros do mesmo sertão, acima do rio Guaxindiba.
Como relata Manuel Martins do Couto Reis, o Distrito de Campos dos Goitacazes (divisão administrativa da Capitania do Rio de Janeiro) dividia-se em seis freguesias e duas vilas, no ano de 1785: São Salvador e São João da Barra. E informava ele:
Entre todas a considero mais pobre porque sendo poucos os seus habitantes são faltos das precisas forças e possibilidades de a poderem aumentar engrandecendo os seus estabelecimentos e comércio; a extensão do seu terreno é mais limitada à proporção de outras: é esta Freguesia a da Vila de São João da Barra, segunda em antiguidade. Tem dentro dos seus termos uma Capela Filial, na Fazenda do Padre Manoel Borges Senra.
O autor apontava como vantagens da freguesia o ar benigno e saudável, a navegabilidade do rio Paraíba do Sul, os campos do Taí (o melhor para o gado de todo o distrito), as restingas e brejos ao norte, entre eles os Campos Novos de São Lourenço e o Sertão das Cacimbas, abundante em madeiras de lei. Além de tudo, a fertilidade em peixes do mar, do rio e das lagoas.
Antiga casa em Gruçaí. Foto do autor
Mas o autor também aponta seus defeitos. Entre eles, o terreno baixo e sujeito a inundações. Além do mais, muito arenoso e pouco apropriado para o plantio de cana e outras plantas. A existência de brejos e córregos ao norte do rio Paraíba do Sul dificultavam o transporte. Couto Reis observa que o trecho do Sertão das Cacimbas entre o rio Itabapoana e a ponta de Guaxindiba pertencia aos jesuítas com sede na grande fazenda de Muribeca.
O núcleo da Vila de São João da Barra coloniza a margem esquerda do rio Paraíba do Sul junto a sua foz com o povoado de Gargaú, que se tornará famoso por uma feira semanal com produtos de todo Sertão das Cacimbas, sejam provenientes da parte arenosa, sejam da parte aluvial e de tabuleiros. Continuando nessa marcha, a colonização ultrapassa a restinga e ergue São Francisco de Paula e São Sebastião, hoje respectivamente São Francisco de Itabapoana e Barra do Itabapoana. Em direção ao Sul, essa colonização ergue Gruçaí e Açu.
São João da Barra se tornou um porto bastante movimentado, apesar das dificuldades para a navegação apresentadas pela foz do Paraíba do Sul, como apontam Couto Reis, Moniz de Souza e Bellegarde. No século XVIII, o Sargento-Mor Manuel Viera Leão projetou um forte na foz do rio para fins defensivos, mas ele não saiu do papel talvez por falta de formações pedregosas naturais e pela instabilidade da foz. O Cais do Imperador, hoje abandonado, testemunha a importância do porto de São João da Barra, que ganhava mais movimento com a vila e depois cidade de Campos, que se situa na parte argilosa da grande planície do Norte Fluminense. Barcos de médio calado circulavam entre São João da Barra e Campos até a construção de uma ferrovia no final do século XIX.
Posteriormente, o rodoviarismo ligou Campos a São João da Barra, Atafona, Gruçaí, Açu, Guaxindiba e Gargaú. A navegação conheceu seu auge entre os primórdios da colonização até a segunda metade do século XIX, inclusive com a abertura de canais. Foi substituída pelo ferroviarismo e pelo rodoviarismo. São João da Barra conserva a casa de Câmara e Cadeia, como reminiscência do século XVIII. Atafona, Gruçaí e Gargaú conservaram poucas marcas do passado.
Podemos estender o eixo Atafona até o distrito de Barcelos, entre a restinga e a planície aluvial. A urbanização se acentuou muito entre 1990 e 2020, com os núcleos de Degredo e Cajueiro, que já se conturbaram.




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