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domingo, 23 de abril de 2017

O primeiro caminho da colonização do norte fluminense

Igreja de Santo Amaro | Fotos: Autor

Por Arthur Soffiati


Nas três viagens que os Sete Capitães empreenderam ao norte do Rio de Janeiro, entre 1632 e 1634, iniciou-se a colonização contínua do norte fluminense. 

Antes, as tentativas de Pero de Gois e de seu filho Gil de Góis, em 1539 e 1618, tinham malogrado. Não existia ainda a expressão norte fluminense. 

Estávamos em pleno período colonial e a divisão politica correspondente a estado denominava-se capitania.

Os sete capitães requereram sesmarias apenas, terras para que rendessem lucros. Eles desejavam criar gado para atender ao Rio de Janeiro, pois a planície em torno da baía hoje conhecida como Guanabara era pequena e estava ocupada por plantações de cana e engenhos de açúcar e aguardente.

Supõe-se que o primeiro curral construído pelos Sete Capitães situava-se na atual localidade de Campo Limpo: “Qual é o apelido (para este campo), Senhor Castilho? – A campina do grande Campo Limpo, disse o Senhor Castilho, pois ela é tão extensa, que vai até às matas do Rio Paraíba, é toda limpa de chavascais, isto é a razão d’eu lhe dar esse apelido. – Bem, está muito conforme, disse o Senhor Duarte”. O diálogo está no Roteiro resultante das três viagens dos colonos.

Não foi registrado, porém, que o primeiro curral foi erguido às margens de um curso d’água que nascia no Paraíba do Sul e desaguava no sistema do rio Iguaçu, hoje não mais existente. Este córrego recebeu o nome de Grande ou do Cula e apontou o rumo dos colonos para o interior. Ele foi registrado e descrito pelo capitão-cartógrafo Manoel Martins do Couto Reis, em 1785, no mapa que levantou da região e no relatório que redigiu a pedido do vice-rei Luís de Vasconcelos e Souza.  
 Planta de Manuel Martins do Couto Reis
assinalando o córrego do Cula

Esse curso d’água serviu de eixo para a colonização contínua do norte fluminense. Junto a ele, um caminho de terra foi se consolidando. Esse caminho permitiu o acesso dos colonos às margens do Paraíba do Sul e à instalação progressiva de Campos. 

O viajante que provinha do Rio de Janeiro em direção a Campos ou a Salvador costumava seguir a pé e em tropa de burros pela costa. Ao chegar no ponto em que hoje se ergue a localidade de Farol de São Thomé, ele seguia a estrada em direção a Campos. Se sua rota se dirigia a Salvador, ele descia o rio Paraíba do Sul até São João da Barra, atravessava-o na foz para a margem esquerda e seguia seu percurso pela costa.

Ao findar a terceira viagem (1633), os sesmeiros registraram: “Pernoitamos no curral de São Miguel e aí nos demoramos dois dias e achamos na choupana que se fez para residência do curraleiro Miguel Índio, e pela sua curiosidade fez um oratório, onde colocou a imagem do Santo do seu nome de São Miguel.” Supõe-se que esse oratório tenha se instalado em local correspondente àquele em que hoje se situa a capela de São Miguel, na fazenda de mesmo nome, já em Quissamã. 
Capela de São Miguel em Quissamã

No eixo desse caminho, instalaram-se as quatro grandes propriedades da baixada no século XVII: o Morgado de Capivari (com sede onda hoje fica Barra do Furado), o mosteiro de São Bento, em Mussurepe, o prédio do colégio e igreja dos Jesuítas, em Tocos, e a sede, senzala e igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Donana, pertencentes aos Assecas, da família Sá e Benevides.
Mosteiro de São Bento em Mussurepe

O príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied trilhou esse caminho de terra em 1815, em sua expedição científica entre Rio de Janeiro e Salvador. Ele atingiu o grande caminho na localidade de Santo Amaro e seguiu até o mosteiro de São Bento, onde se hospedou. Em direção a Campos, ele registrou no seu diário: "Ao longo de todo o caminho, o viajante encontra vendas, cujos proprietários cumprimentam delicadamente os transeuntes, convidando-os a entrar, portanto, a esvaziar seus bolsos." 
 Igreja de Santo Amaro

Outro viajante famoso a percorrer o caminho foi o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, em 1818. Ele se hospedou no Solar do Colégio, que não pertencia mais aos jesuítas, por ter sido a ordem religiosa expulsa do país. Muitos e muitos outros viajantes percorreram a estrada do atual Farol para Campos ou vice-versa.

Com o advento da ferrovia, construiu-se a estrada de ferro Santo Amaro acompanhando o rumo do antigo caminho. Seu ponto inicial era Campos. Seu ponto final era a vila de Santo Amaro, tão decantada no romance “O coronel e o lobisomem”, de José Cândido de Carvalho.
Colégio e Igreja pertencentes aos Jesuítas até 1759

No século XX, a ferrovia foi superada pela rodovia. O caminho da colonização foi asfaltado, dando origem à estrada RJ-216. Ao longo deste eixo, ergueram-se muitas fazendas de cana e de gado, inumeráveis engenhos antigos de açúcar e aguardente, substituídos, na transição do século XIX para o XX, por usinas e engenhos centrais. Nas margens desse caminho, foram construídos os engenhos centrais e usinas de Santo Antônio, São José, Limão, Poço Gordo, Paraíso, Mineiros, São Sebastião, Baixa Grande etc.
A abandonada usina de Santo Antônio
Antiga usina do Limão, da qual não restaram nem as ruínas

Com a falência progressiva das usinas, instalaram-se ao longo do eixo várias fábricas de cerâmica, atividade que também demonstra sinal de cansaço. Por muitos motivos, esse caminho deveria ser protegido, no seu conjunto, como o caminho da colonização do norte fluminense. Depois, vários caminhos foram abertos, mas esse foi o primeiro. 

De Minas Gerais para o noroeste fluminense também partiram vários caminhos mais tarde. Em relatório de 1837, o Major Henrique Luiz de Niemeyer Bellegarde enumera os vários caminhos que ligavam Campos ao Farol, a São João da Barra, a São Fidélis, a Cantagalo, ao Rio de Janeiro, a Minas Gerais e a Salvador. 

Muitos prédios já se perderam no primeiro caminho da colonização. A bela igreja de Santo Amaro, junto à Usina do Limão, foi demolida, assim como o palacete da Fazenda Boa Vista, entre Santo Amaro e o Farol.
Capela de Santo Amaro. Em formato octogonal, não mais existe
Palacete de Boa Vista, não mais existente
Do que restou, dois bens imóveis são tombados: a capela de Nossa Senhora do Rosário, em Donana, e o Solar dos Jesuítas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 

Pelo município de Campos, vários outros. Não basta tombar. É preciso proteger e promover. Nesse sentido, o autor propôs ao Instituto Federal Fluminense estudos e a formulação de um projeto de turismo ambiental e cultural com início ou fim em Campos, tendo como ponto central a igreja de Campo Limpo e término na capela de São Miguel. O projeto pode ser apresentado às prefeituras de Campos e de Quissamã, pois se trata de um roteiro intermunicipal. Começando em Quissamã, ele passaria pelo Farol em direção a Campos. Esperemos que a ideia prospere.
Igreja em Campo Limpo 
  Igreja de Nossa Senhora do Rosário em Donana 
Farol de São Thomé

Obras mencionadas
BELLEGARDE, Henrique Luiz de Niemeyer. “Relatório da 4ª Seção de Obras Públicas da Província do Rio de Janeiro apresentado à respectiva diretoria em agosto de 1837”. Rio de Janeiro: Imprensa Americana de I. F. da Costa, 1837.

CARVALHO, José Cândido de Carvalho. “O coronel e o lobisomem”, 9ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1972.

COUTO REIS, Manoel Martins do. “Descrição geográfica, política e cronográfica do Distrito dos Campos Goitacás que por ordem do Ilmo e Exmo Senhor Luiz de Vasconcellos e Souza do Conselho de S. Majestade, Vice-Rei e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil, etc se escreveu para servir de explicação ao mapa topográfico do mesmo terreno, que debaixo de dita ordem se levantou”. Rio de Janeiro: manuscrito original, 1785.

GABRIEL, Adelmo Henrique Daumas e LUZ, Margareth da (orgs.); FREITAS, Carlos Roberto B.; SANTOS, Fabiano Vilaça dos; KNAUS, Paulo; SOFFIATI, Arthur (notas explicativas) e GOMES, Marcelo Abreu. “Roteiro dos Sete Capitães”. Macaé: Funemac Livros, 2012.

SAINT-HILAIRE, Auguste de. “Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais”. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1975.

WIED-NEUWIED, Maximiliano de. “Viagem ao Brasil”. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp,1989.



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Um comentário:

  1. Ótima matéria, parabéns!!! só ficaram trocadas as fotos das igrejas de Donana e de Campo Limpo.

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