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terça-feira, 21 de março de 2017

IV Artigo - De Barra do Açu a Barra do Furado

Foto: Autor
A costa de Campos dos Goytacazes 
Por Arthur Soffiati

Depois da chegada dos portugueses ao Brasil em 1500, a terra ficou semiabandonada. A Índia era mais interessante para a Coroa lusa. Mas navegantes de outros países, sobretudo da França, começaram a visitar o Brasil com frequência e a fazer aliança com os povos indígenas para obter principalmente pau-brasil.

Por cerca de trinta anos, Portugal apenas visitava o Brasil como os outros países. Houve expedições repressoras, como as de Cristóvão Jacques, mas não foram suficientes para conter os “estrangeiros”.

Finalmente, a coroa percebeu que o Brasil era interessante. Suas terras costeiras e o clima eram bons para o plantio de cana. O produto tinha grande aceitação na Europa, e Portugal conhecia bem as técnicas de plantio de cana e de produção de açúcar. Mas o governo luso não queria gastar dinheiro na colonização. Valeu-se, então, de um recurso muito conhecido hoje: a terceirização. O país foi dividido em grandes lotes, as capitanias hereditárias, doados a membros da pequena nobreza portuguesa. Eles tinham direitos, mas também muitos deveres.

A Capitania de São Thomé foi doada a Pero de Gois. Calcula-se que ela se estendia do rio Macaé a um ponto impreciso denominado Baixo dos Pargos. Em acordo firmado com Vasco Fernandes Coutinho, donatário da Capitania de Espírito Santo, e aprovado pelo rei de Portugal, os limites setentrionais foram fixados no rio Itapemirim. Um estudo recente de Jorge Pimentel Cintra sustenta que o desenho da Capitania de São Thomé era triangular, com o vértice mais agudo voltado para o interior. A base corresponde à linha entre os rios Macaé e Itapemirim. O traçado não importa porque Pero de Góis só se movimentou na costa.

Capitanias hereditárias

Não se sabe se ele conheceu as terras onde hoje se instalou o núcleo urbano do Farol de São Thomé, nome derivado do cabo, que também nomeou a capitania. O que sabemos dele provém das cartas que escreveu para seu sócio em Portugal, o comerciante Martim Ferreira, e da arqueologia. Gabriel Soares de Sousa escreve que ele tentou instalar a sede da capitania nas margens do Paraíba do Sul e desistiu por conta das cheias. O lugar encontrado foi na margem direita da foz do rio Itabapoana, em terreno de tabuleiros. Ali, ele fundou um povoado que se supõem ser a Vila da Rainha. Depois, subiu o Itabapoana até a última queda d’água do rio, onde construiu um engenho cujos restos ainda existem. Examinei essa primeira tentativa de colonização em artigo.

A experiência de Pero de Góis foi curta. Durou de 1539 a 1546. A capitania foi abandonada. Em 1619, seu filho Gil de Góis tentou novamente desenvolvê-la. Também não deu certo. O donatário a devolveu à Coroa. As terras ficaram abandonadas por pouco tempo. A Ordem dos Jesuítas e sete fidalgos as requereram a título de sesmaria, figura distinta da de capitania. Na sesmaria, o titular das terras só detém poder econômico. Na capitania, ele detém igualmente o poder político.

Os fidalgos, conhecidos como Sete Capitães, chegaram primeiro. Em 1627, eles requereram as terras entre a foz do rio Iguaçu e a foz do rio Macaé. Em 1632, eles empreenderam a primeira expedição às suas terras. De barco, saíram de um arraial em Macaé e tentaram chegar ao Cabo de São Thomé por mar. Não deu certo. Apenas um membro da expedição chegou à costa porque caiu n’água, nadou e se salvou. A expedição retornou e veio a pé de Macaé ao Cabo de São Thomé. Fez contato com um grupo indígena nas margens de uma grande lagoa, que batizaram de Feia por a terem conhecido em dia de temporal. Depois, prosseguiram até o Cabo de São Thomé com os dedos nos gatilhos de suas armas, temendo que os índios fossem agressivos. Foram bem recebidos e encontraram o náufrago, além de alguns europeus refugiados da lei.
Primeira viagem dos Sete Capitães, em 1632. Tentativa fracassada por mar. Tentativa bem sucedida por terra. 

Fizeram um reconhecimento da região e gostaram de Campo Limpo, nome que eles deram ao lugar, muito bom para pastos. Ali ergueram o primeiro curral e deixaram o índio aculturado Valério da Cursunga para tomar conta. O tratamento que os nativos deram aos brancos foi acolhedor. A economia local era baseada na pesca, na caça e numa agricultura complementar. Os goitacás não dependiam tanto do cultivo porque sua economia era de subsistência. A dos forâneos era de mercado. Os Sete Capitães requereram sesmarias para criar gado, pois o espaço na baía do Rio de Janeiro era escasso e já estava ocupado pelo plantio de cana. Enquanto os nativos retiravam de uma natureza pródiga tudo o de que necessitavam sem fins lucrativos, os portugueses queriam ganhar dinheiro com a criação de gado. 

Esse foi um momento decisivo. A planície deltaica era super-úmida e mais apropriada para a pesca. Mesmo se tivesse caráter comercial, a pesca talvez rendesse mais que o gado. Mas a visão dos portugueses voltava-se para a agropecuária. Para tanto, era preciso converter uma área úmida em seca.

Os Sete Capitães estiveram nas suas terras mais de uma vez, em 1633 e 1634. Na viagem de 1633, fizeram um reconhecimento mais minucioso dela e chegaram à margem direita do rio Paraíba do Sul. Foram dando nomes aos acidentes geográficos nessa segunda expedição. Descendo o Paraíba do Sul a pé, chegaram até o rio Doce ou Água Preta, hoje canal de Quitingute. Construindo uma embarcação rudimentar, eles alcançaram novamente o rio Iguaçu, ponto de acampamento. Os capitães trouxeram um escrivão nas três expedições que deixou um relato precioso. Ele revela uma terra quase virgem e muito diferente da atual. O documento recebeu o nome de “Roteiro dos Sete Capitães”.

A fímbria arenosa onde se ergueu o Farol séculos depois foi o ponto de partida da colonização portuguesa contínua do norte fluminense. O governador Salvador Correia de Sá e Benevides, sabedor das riquezas das terras, requereu a capitania, que passou a se chamar Paraíba do Sul, para seu irmão e para seu sobrinho. Na verdade, ele era o grande comandante. A baixada foi dividida em quatro domínios: o Morgado de Capivari, de José de Barcelos Machado, descendente indireto de um dos capitães, a propriedade dos Jesuítas, os domínios dos Beneditinos e as terras dos Viscondes de Assecas, da família de Salvador.

Em 1688, a conversão de área pesqueira em área agropecuária começou com a abertura da vala do Furado pelo capitão José de Barcelos Machado. Futuramente, a costa campista seria limitada por duas barras: a do Açu e a do Furado.

De barra à barra: os limites da costa de Campos sobre carta de Manoel Vieyra Leão (1767)

Obras consultadas

CINTRA, Jorge Pimentel. Reconstruindo o Mapa das Capitanias Hereditárias. Anais do Museu Paulista nova série, v. 21 nº 2.  São Paulo, 2013.
ESCRITURA DE CONTRATO entre os Procuradores de Sua Majestade e Gil de Góis sobre a Capitania de Cabo Frio, Estado do Brasil. Revista Trimensal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo LVI, parte I. Rio de Janeiro: Companhia Tipográfica do Brasil, 1893.
GABRIEL, Adelmo Henrique Daumas e LUZ, Margareth da (Orgs.); FREITAS, Carlos Roberto B.; SANTOS, Fabiano Vilaça dos; KNAUS, Paulo; SOFFIATI, Arthur (notas explicativas) e GOMES, Marcelo Abreu. Roteiro dos Sete Capitães. Macaé: Funemac Livros, 2012.
LAMEGO, Alberto Frederico de Morais. A Terra Goitacá à luz de documentos inéditos,   tomo IV e VI. Niterói: Diário Oficial, 1941-1947.
SOFFIATI, Arthur. Em torno da Vila da Rainha. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro nº. 18, ano 18. Rio de Janeiro: IHGRJ, 2011.
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descritivo do Brasil em 1587, 3ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938.


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