Um rio esquecido no Farol de São Thomé - Portal do Farol | O Portal de Notícias do Farol de São Thomé

Notícias

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Um rio esquecido no Farol de São Thomé

Por Arthur Soffiati

A planície fluviomarinha do norte do Estado do Rio de Janeiro formou-se na segunda metade do período geológico do Holoceno, a partir de 5.100 anos antes do presente.


Há 2.500 anos, ela estava praticamente formada, com algumas mudanças provocadas pela própria natureza. Principalmente a linha costeira é muito dinâmica na planície.

 Junto à praia, corria um rio que nascia na Lagoa Feia, recebia vários afluentes, atravessava a lagoa do Lagamar e engrossava bastante com águas que desciam do rio Paraíba do Sul em tempos de cheias, até desembocar no ponto hoje conhecido por Barra do Açu. Ali, do norte, ele ainda recebia águas do rio do Veiga. Ele já tinha o nome de Iguaçu no século XVII, quando os Sete Capitães iniciaram a colonização contínua da região. Inclusive, ele foi tomado como limite norte para os domínios dos fidalgos, que se estendiam até o rio Macaé. O nome é tupi. I significa água e uaçu (guaçu) significa grande. Foi o primeiro rio a ser conhecido com detalhes na região. A colonização contínua começou onde hoje é o Farol de São Thomé. Pero de Gois chegou primeiro, sem dúvida, mas não iniciou uma colonização contínua, já que abandonou a capitania de São Thomé. Gil de Gois também não, pois devolveu a capitania à Coroa portuguesa.

Seguindo a orientação norte-sul e oeste-leste definida pelo jato hídrico dos rios Paraíba do Sul e Imbé, ambos provenientes da zona serrana, e pelas correntes marinhas, formaram-se dois eixos em torno dos quais as águas continentais escoavam lentamente para o mar: o rio Paraíba do Sul e o complexo sistema formado pelo rio Imbé, que colhe as águas que descem da Serra do Mar pela margem externa da cadeia montanhosa, desemboca na lagoa de Cima, que deflui pelo rio Ururaí, que desemboca na lagoa Feia, juntamente com os rios Macabu e da Prata. Por sua vez, as águas da lagoa Feia se distribuem por vários defluentes que se reúnem no antigo rio Iguaçu. 

Os dois eixos de drenagem da Baixada Campista. Base cartográfica: Mapa de Manuel Vieira Leão, de 1767, representado a Capitania do Rio de Janeiro, aqui retratando apenas o futuro norte fluminense

Pode-se reconstituir o curso do Iguaçu desde sua nascente, na lagoa Feia, até sua foz ao norte do cabo de São Thomé, onde se localiza a atual lagoa do Açu. Vários cursos d’água derivados da grande lagoa engrossavam seu volume. Ele formou parcialmente a lagoa do Lagamar e tudo indica que, nos tempos de cheias, ele abria naturalmente um escoadouro para o mar nesse ponto, ainda conhecido como Barra Velha pelos antigos. Mais adiante, ele desembocava no Banhado da Boa Vista, em grande parte formado por um braço do Paraíba do Sul que futuramente receberá o nome de córrego do Cula. Também o rio Água Preta ou Doce começava no rio Paraíba do Sul e aumentava o volume de água no banhado da Boa Vista. Pela margem direita, os transbordamentos do Paraíba do Sul corriam por canais naturais que receberam mais tarde os nomes de Itereré, Cacumanga, Cula, São Bento e Água Preta. Em vez de afluentes, na baixada o Paraíba do Sul tinha defluentes, ou seja, rios que começavam nele e desembocavam na bacia do Iguaçu.

Depois de repousar no banhado da Boa Vista, o Iguaçu fluía em direção ao mar na atual Barra do Açu, onde ainda recebia as águas do rio do Veiga, provenientes do norte. Tradicionalmente, consta que o rio era navegável da nascente à foz por embarcações de pequeno calado. Em 1688, o capitão José de Barcelos Machado aproveitou o trecho do rio mais próximo da costa para abrir a Barra do Furado. Até 1950, as águas de chuva acumuladas no verão eram escoadas para o mar pela Barra do Furado, que não passava de um rasgo no rio Iguaçu. Os jesuítas instalados na sede da Fazenda do Colégio empregavam seus escravos na limpeza dos canais naturais antes que as chuvas chegassem. Ainda hoje, o aguapé e o bofe –     plantas  flutuantes – entopem os canais. Talvez mais atualmente que no passado, pois a matéria orgânica dos esgotos e os nutrientes dos adubos químicos alimentam a vegetação aquática, causando o que se chama de eutrofização. 
 2- A bacia do Iguaçu antes das obras do DNOS: 1- rio Paraíba do Sul; 2- rio Iguaçu; 3- banhado da Boa Vista; 4- canal do Cula; 6- rio Água Preta; 6- rio do Veiga. Base cartográfica: MARTIN, Louis; SUGUIO, Kenitiro; DOMINGUEZ, José M. L.; e FLEXOR, Jean-Marie. Geologia do Quaternário costeiro do litoral norte do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Belo Horizonte: CPRM, 1997.

Na literatura especializada, O rio Iguaçu é pouco conhecido, pois as obras do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) alteraram completamente a fisionomia da planície. Os canais da Flecha e do Quitingute fragmentaram o rio de tal maneira que as pessoas não mais o reconhecem. Conversando com um pescador de Barra do Furado, ele me disse que o canal da Flecha sempre existiu. Na verdade, ele foi aberto na década de 1940, ligando a lagoa Feia ao ponto aberto pelo capitão José de Barcelos Machado no rio Iguaçu para que as águas acumuladas pelas chuvas de verão escoassem mais rapidamente para o mar. 
3 – As abras do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) que mutilaram a bacia do Iguaçu: 1- canal da Flecha; 2- canal do Quitingute

Por sua vez, o canal do Quitingute aproveitou o rio Água Preta, retilinizando seu leito e desviando-o do banhado da Boa Vista. O canal desemboca no banhado, mas continua na outra margem dele, estendendo-se até o canal da Flecha. Assim, o rio Iguaçu foi esquartejado. O primeiro fragmento dele se estende da nascente ao canal da Flecha, onde é barrado pelas comportas do Furadinho.
 4- Trecho do rio Iguaçu entre a lagoa Feia e o canal da Flecha, barrado pelas comportas do Furadinho

O segundo começa no banhado da Boa Vista e se estende até a foz, hoje barra da lagoa do Açu. A parte central foi toda fragmentada. No conjunto, o rio atualmente se parece com uma cobra da qual se cortou a cabeça e o rabo. O meio dela foi retalhado em rodelas que ainda podem ser vistas. Esses fragmentos do rio situam-se atrás da crista da praia e se assemelham a tanques de piscicultura. Foram construídas várias barragens nesse trecho, a maioria sem sistemas de comunicação. Assim, a água fica parada e favorece a proliferação de algas e de mosquitos.
5- Trecho do rio Iguaçu entre o Lagamar e o banhado da Boa Vista cortado por barramentos de terra. Foto de Samir Mansur

O trecho final está agora teoricamente protegido pelo Parque Estadual da Lagoa do Açu. Digo teoricamente protegido porque existem ainda problemas a serem resolvidos no seu interior. Os dois maiores referem-se à questão fundiária e à atividade pesqueira. Uns desejam a abertura periódica da barra. Outros entendem que a barra só pode ser aberta naturalmente pela força das águas. No geral, o trecho final acumula muita água e apresenta aspecto ambiental saudável e belo. A vegetação ciliar é constituída de manguezais até as proximidades do banhado. Imediatamente atrás dos mangues, ergue-se pujante vegetação de restinga. Trata-se, enfim, de um ambiente a ser mais conhecido pelos habitantes de Campos e até mesmo do Farol de São Thomé. Contudo, o turismo no interior do Parque não pode ser predatório. Antes, é preciso respeitar a natureza para conhecê-la, invertendo o lema muito usado, segundo o qual é preciso conhecer para respeitar. Em outras palavras, antes de assentar os pés nos domínios do Parque Estadual da Lagoa do Açu, é preciso mostrá-lo por meio de palestras e fotografias, ensinando também quais são as regras básicas de visitação.   
6- Trecho do rio Iguaçu do banhado da Boa Vista à barra do Açu

Por Arthur Soffiati

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe-nos Sua Mensagem! Seja Sempre Bem Vindo(a)!