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Barras do Furado, do Chuí e do Mondego

Por Arthur Soffiati

Em vários lugares do mundo, a concepção ocidental da natureza prolonga a foz de rios no mar com o intuito de mantê-la aberta para o escoamento da água e para a navegação. No Norte Fluminense, o sistema de prolongamento mais conhecido é o de Barra do Furado, mas há também o do estaleiro do complexo empresarial do Açu. 

O de Barra do Furado data dos anos 1970. Entre 1942 e 1949, o governo federal abriu um grande canal ligando a lagoa Feia ao mar. Antes, esse escoamento era feito pelo rio Iguaçu, um dos muitos braços formados naturalmente pela lagoa Feia. Ele reunia quase todos e desembocava na barra do Açu. Em 1688, um dos quatro maiores donos de terras da região abreviou o escoamento do rio Iguaçu para o mar, abrindo o canal do Furado. A obra se tornou famosa, mas também problemática. A barra dele se mantinha aberta por pouco tempo durante as chuvas de verão, com a força da água doce acumulada no continente. Escoada essa água, as correntes marinhas fechavam a barra. As águas voltavam a chegar ao mar pelo Açu.

O canal da Flecha assumiu a proporção de um rio que, ao lado do Paraíba do Sul, passou a ser a segunda via de escoamento integrante de um ambicioso sistema de drenagem para atender a economia agropecuária e sucroalcooleira do Norte Fluminense. Mas um problema antigo continuou a dificultar o programa de drenagem: o mar continuava a barrar as águas vindas da lagoa Feia pelo canal da Flecha quando havia pouco volume de água. Então, concebeu-se um sistema de prolongamento da sua barra com dois espigões de pedra e mais alguns laterais para estabilizar a foz. O resultado foi o acúmulo de areia no espigão direito, do lado de Quissamã, e a erosão do litoral de Campos, no lado esquerdo. É possível a entrada e a saída de embarcações pequenas mas arriscada.

Prolongamento do canal da Flecha: acúmulo de areia do lado direito e erosão do lado esquerdo

A costa do estado do Rio Grande do Sul é semelhante à do norte fluminense. Ela é longa, reta e baixa. Não há formações pedregosas em toda sua extensão, nem na forma de costões rochosos nem da forma de ilhas costeiras. O sistema hídrico mais importante é o complexo Guaíba-lagoa dos Patos. Grande parte dos rios convergem para esta lagoa, que tem ligação direta com o mar. O rio Mampituba, que foi usado como linha demarcatória entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, também teve sua foz prolongada por espigões de pedra. Aconteceu lá o mesmo que ocorre com o canal da Flecha: assimetria da costa entre o lado direito e esquerdo. Com menos intensidade, nota-se o mesmo processo na saída da lagoa dos Patos para o mar.

Até mesmo o pequeno arroio Chuí, um córrego usado como limite entre Brasil e Uruguai, ainda na costa gaúcha, teve sua foz prolongada por espigões de pedra provocando acumulação de areia.

Espigões de pedra na foz do arroio Chuí

Passando três dias em Coimbra recentemente, fui conhecer de perto o caso da foz do rio Mondego, junto a qual ergueu-se a cidade de Figueira da Foz. O Mondego corre por cerca de 250 km da nascente à foz. Em comprimento, corresponde aos rios Itabapoana e Muriaé. Trata-se do maior rio a correr inteiramente no território de Portugal. Até Coimbra, seu leito se estende em terreno pedregoso. De Coimbra à foz, seu leito corre numa planície aluvial, como o Paraíba do Sul de Itereré ao mar. No trecho final, o Mondego se abre em canais que partem do leito principal, voltando a ele e formando ilhas e banhados marginais. Trata-se de terreno muito cultivado. O arroz é um dos principais produtos. Seria o indicado para a Baixada dos Goytacazes, mas a cana venceu e exigiu excessiva drenagem do terreno. 

Examinei a foz do Mondego, comparando-a com Barra do Furado. Existem diferenças e semelhanças. A costa é diferente. Existe um maciço montanhoso que limita a planície aluvial e alcança a costa na margem direita do rio. Talvez a presença desse maciço altere as correntes. No norte fluminense, só há formações pedregosas naturais abaixo do rio Macaé e acima do rio Itapemirim, já no Espírito Santo. As correntes marinhas transportam muita areia em suspensão. Ela logo se acumula em obstáculos sólidos, como em Barra do Furado e em Marataízes.

Na foz do Mondego, foi construído um prolongamento da foz com pedras. Logo, ele acumulou areia, que ameaçou fechá-la. Então, dois espigões maiores foram erguidos ao lado dos primeiros espigões. Entre os menores e os maiores, formaram-se praias, frequentadas por banhistas. Mas a areia retida no lado direito da foz ou acima dela continua se acumulando e ameaçando assorear a foz. A linha de costa já está desalinhada entre norte e sul. Mesmo assim, embarcações de dimensões consideráveis entram e saem do rio. Existem marinas na foz, com movimentação não encontrada em Barra do Furado. Os blocos de concreto usados parcialmente na construção dos espigões são idênticos aos encontrados em Barra do Furado quando um projeto empresarial pretendeu resolver o problema de transporte de areia. Ele fracassou e abandonou o local.   

Foz do rio Mondego


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