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segunda-feira, 18 de julho de 2022

Farol de São Thomé no mundo

Por Arthur Soffiati


O Farol está no mundo? Claro. Todo lugar, mesmo o mais recôndito, está no mundo, mas nem todo mundo sabe da sua existência, assim como a maioria dos leitores não sabe da existência do arquipélago de Tuvalu, na Oceania, também no mundo. A área em que se ergue o Farol de São Thomé é nova do ponto de vista geológico. Ela não tem mais que três mil anos. Mas antes havia um outro continente, ainda pouco estudado. Devia ser um terreno como o do município de São Francisco de Itabapoana que se ligava à parte do terreno onde hoje é o município de Quissamã. Ele já era cortado pelo Paraíba do Sul e pelo Macabu. A lagoa de Cima já existia, mas a lagoa Feia não. Então, por volta de 7 mil anos passados, o mar foi subindo e engolindo esse continente antigo. Ele deve ter avançado pelo rio Paraíba do Sul, cujo vale era mais baixo. 

Antigo continente do norte fluminense: mais avançado no mar e sem a restinga de Paraíba do Sul


O mar chegou até a lagoa de Cima por uma elevação natural de nível. Hoje, o nível do mar está subindo, mas por mudanças que estamos provocando no clima. O mundo está esquentando, as geleiras estão derretendo e o mar está subindo. Quando o mar começou a descer, a partir de 5.100 anos passados, o rio Paraíba do Sul foi avançando e transportando sedimentos da partes mais altas. A área alagada pelo mar foi sendo aterrada, dando origem à maior planície do atual estado do Rio de Janeiro. Sim, leitor do Farol: onde você hoje apoia os pés já foi mar. O rio e a planície exerceram grande pressão em direção ao mar. Este também exerceu grande pressão em direção à terra. Formou-se entre ambos um cordão estreito e alto com 28 quilômetros de extensão, ligando a grande restinga de Paraíba do Sul, com cerca de 3 mil anos e a restinga de Jurubatiba, com 120 mil anos.

A atual planície do norte fluminense, mostrando o cordão arenoso onde se ergue o Farol de São Thomé (MARTIN, Louis; SUGUIO, Kenitiro; DOMINGUEZ, José M. L.; e FLEXOR, Jean-Marie. Geologia do Quaternário Costeiro do Litoral Norte do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Belo Horizonte: CPRM, 1997)


Essa costa é conhecida desde o século XVI, quando os portugueses chegaram às terras do futuro Brasil. Os navegantes europeus de diversos países conheciam muito bem essa faixa de areia porque ela forma o cabo de São Thomé, ponto em que a costa da América do Sul se curva para oeste. Era um ponto importante assinalado pelos cartógrafos. Que se leia o grande Luís Teixeira em “Roteiro de todos os sinais, conhecimentos, fundos, alturas e derrotas que há na costa do Brasil desde o cabo de Santo Agostinho até o estreito de Fernão de Magalhães” (Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1968), um dos maiores cartógrafos do século XVI. Que se leia também “Viagem ao Brasil”, de Jean de Léry (História de uma viagem à terra do Brasil. 1ªedição. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1926). Ele não desceu em terra, mas quando passou em frente à futura praia do Farol, um marinheiro normando o informou sobre perigoso povo que vivia na terra dos Campos.

Cabo de São Thomé no Universalis Cosmographia, primeiro mapa a nomear a América, impresso em 1507 por Martin Waldseemüller


Foram terras do futuro Farol que sete fidalgos requereram à Coroa portuguesa como sesmarias, em 1627, juntamente com os jesuítas. Esses fidalgos empreenderam sua primeira expedição aos seus domínios em 1632, exatamente onde hoje se ergue a comunidade do Farol. A colonização portuguesa da região começou com eles. Que se leia o “Roteiro dos Sete Capitães” (GABRIEL, Adelmo Henrique Daumas e LUZ, Margareth da (Orgs.); FREITAS, Carlos Roberto B.; SANTOS, Fabiano Vilaça dos; KNAUS, Paulo; SOFFIATI, Arthur (notas explicativas) e GOMES, Marcelo Abreu. Macaé: Funemac Livros, 2012). Assim, não só Campos dos Goytacazes começou no Farol, como todo o norte-noroeste fluminense. É bem verdade que a a grande planície, os tabuleiros e a serra já eram habitados por povos da nação macro-jê, mas sua integração ao mundo começou com os Sete Capitães. A área do futuro Farol começa a se integrar no mundo, já que a tentativa de Pero e Gil de Góis com a capitania de São Tomé entre 1539 e 1619 fracassou.


O local em que se ergueu o Farol foi um ponto de intenso trânsito de viajantes que vinham do Rio de Janeiro, de Cabo Frio e de Salvador. O caminho que vinha do Rio de Janeiro acompanhava a costa. Na altura do Farol, ele seguia para o interior até Campos. Por ele, chegaram a Campos os naturalistas europeus Maximiliano de Wied-Neuwied, Friedrich Sellow e Georg Wilhelm Freyreiss, em 1815. Eles subiram a estrada em direção a Campos e pousaram no Mosteiro de São Bento. Maximiliano fez dois desenhos nas proximidades de Barra do Furado retratando uma casa e uma pescadora. Devem ser os mais antigos registros dos pescadores da região. E pensar que pessoas acostumadas a casas europeias confortáveis hospedaram-se na casa de um pescador (WIED-NEUWIED, Maximiliano. Viagem ao Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia/São Paulo: EDUSP, 1989).

Casa de pescadores no sul da lagoa Feia em 1815. Desenho de Maximiliano de Wied-Neuwied


Em 1818, foi a vez do botânico francês Auguste de Saint-Hilaire trilhar a estrada Farol-Campos (SAINT-HILAIRE, Auguste de. “Viagem pelo Distrito de Diamantes e litoral do Brasil”. Belo Horizonte: São Paulo, Itatiaia/EDUSP, 1974). Essa estrada de terra acompanhava o famoso córrego do Cula ou Grande, que partia de Campos em direção à Barra do Açu. Ele foi o eixo inicial de colonização do interior da antiga capitania de São Tomé. Seguindo o córrego e a estrada de terra, foi construída mais tarde a ferrovia de Santo Amaro, onde já existia uma igreja em 1815. Recentemente, a estrada de terra foi asfaltada. É a popular Campos-Farol. Saint-Hilaire pousou no solar e igreja dos Jesuítas, em Tocos.


Às margens dessa estrada, foram construídos os primeiros engenhos de açúcar da região. Posteriormente, eles foram substituídos por usinas. A maior concentração de usinas da região norte-noroeste fluminense situava-se nessa estrada. Em Campos, quem vinha do Farol em direção a Salvador descia o rio Paraíba do Sul até a foz e atravessava para a margem esquerda, seguindo pela costa até a primeira capital do Brasil e depois da Bahia. Maximiliano de Wied-Neuwied escreveu em seu diário que Campos era o mais expressivo núcleo urbano entre Rio de Janeiro e Salvador, ainda no status de vila. Ele fez um desenho de Campos, infelizmente perdido. Exatamente porque a estrada Rio de Janeiro-Salvador se desviava da costa na altura do futuro Farol é que carecemos de informação do trecho Farol-São João da Barra.

Igreja de Santo Amaro

O farol que deu nome à localidade foi erguido no século XIX para alertar os navegantes quanto aos perigos daquela costa, como já se sabia desde o século XVI. No século XX, casas começaram a ser construídas. O modelo urbano do Farol é ocidental. Por isso, ele é parte do mundo ocidentalizado. Nada ali nos lembra os povos nativos que habitaram a região. Talvez, no máximo, a prática da atividade pesqueira. Mais recentemente, o heliporto da Petrobras e o complexo portuário do Açu estreitaram os laços entre Farol e o mundo. O local se insere num planeta globalizado pelo ocidente e pelo capitalismo.


A observação é válida se examinarmos a erosão que a praia sofre nas extremidades do longo cordão arenoso e que já foi motivo de um parecer do geógrafo Eduardo Bulhões especialista em dinâmica costeira (“Taxas de mobilidade da linha da costa de Campos dos Goytacazes”. Universidade Federal Fluminense: Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional. Departamento de Geografia. Unidade de Estudos Costeiros, 2021). A construção de espigões de pedra para prologar o canal da Flecha, algo estranho numa costa sem formações pedregosas e mesmo no Brasil pré-europeus, produziu forte alteração costeira. No lado direito dos espigões, a areia se acumula porque a corrente marinha predominante corre da direita para a esquerda. Do lado de Campos, ou seja, no lado esquerdo do espigão, o mar erode o continente de forma acentuada. Entre o Farol e a localidade de Xexé, situa-se outro ponto de erosão.


Intervenções na costa com espigões de pedra (guias-corrente e ancoradouros) não acontece apenas no Farol e no Brasil. O mundo está cheio deles. A elevação do nível do mar também é fenômeno mundial, oriundo das mudanças climáticas. Se, no passado, o Farol era lugar de passagem quase obrigatória para viajantes ilustres, hoje, a BR-101, mais para o interior, e a aviação passaram a ser as vias de transporte mais usuais. Eu já fiz, a pé, o caminho Macaé-Farol, seguindo os  passos dos Sete Capitães. Também a pé, segui o caminho de Santo Amaro à noite. Por oito horas, caminhei de Campos a Santo Amaro no dia 15 de janeiro. Ao chegar lá, meu tênis número 42 tinha o tamanho 39.


A Austrália está no Farol de São Thomé por meio das casuarinas. E a África, por meio do algodão-de-seda, planta invasora. O Farol está no mundo.

Algodão-de-seda


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