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quarta-feira, 16 de março de 2022

Dez anos do Parque Estadual da Lagoa do Açu


Por Arthur Soffiati


A origem das Unidades de Conservação não está associada aos campos sagrados das primeiras civilizações ou dos povos nativos. Não está também aos campos comunais da Idade Média ou aos campos de caça da Idade Moderna. Não havia necessidade de proteger áreas da destruição na Antiguidade. Portanto, os campos sagrados eram locais de culto, assim como os campos comunais eram locais de exploração coletiva. Por sua vez, os campos de caça pertenciam a nobres e destinavam-se ao passatempo da caça.

Os missionários cristãos se empenharam em cortar árvores porque elas tinham caráter sagrado para povos da Europa do norte. Era preciso colocar o Deus cristão em seu lugar. No Brasil, os nativos acreditavam em entidades protetoras das florestas, como o Caipora, que tinha os calcanhares para a frente e os dedos dos pés para trás a fim de que suas pegadas enganassem as pessoas. Povos trazidos da África como escravos acreditavam em entidades sagradas que protegiam águas, florestas e animais que acabaram se fundindo ao cristianismo. 


As áreas visando a proteção de amostras significativas de ecossistemas nasceram num mundo dessacralizado por motivações científicas. Sua origem espacial e temporal situa-se nos Estados Unidos na segunda metade do século XIX. Quando a destruição da natureza emitiu sinais de perigo, a necessidade de áreas especiais de proteção levou à proposta de criação de áreas especiais. É sintomático que tal proposta tenha nascido nos Estados Unidos e não em outro lugar do mundo. Na Europa, a destruição secular dos ecossistemas nativos havia reduzido as áreas naturais a amostras vestigiais. Nas ex-colônias europeias da América, havia ainda muita natureza para que se defendesse a necessidade de protegê-la. Nos Estados Unidos, a expansão para oeste foi tão destrutiva que as vozes em defesa da natureza se levantaram.


Catherine Larrière mostra que a questão sobre a proteção de ecossistemas dos Estados Unidos se manifestou em duas correntes. A primeira defendia a proteção integral de áreas com amostras relevantes de ecossistemas. A segunda lutava por áreas cuja proteção permitia a visitação de pessoas (Duas filosofias da natureza. SANTOS, Antônio Carlos (org). “Filosofia e natureza”. Aracaju: Universidade Federal de Sergipe, 2008). Nasciam, assim, os conceitos de preservação e conservação. Preservar significava isolar certas áreas à visitação de pessoas em nome da vida silvestre. A conservação valoriza a função educativa das áreas protegidas.


No Brasil, a primeira proposta de criação de áreas protegidas partiu de André Rebouças, no final do século XIX. No entanto, o primeiro Parque Nacional só foi criado por Getúlio Vargas em 1934. Trata-se do Parque Nacional de Itatiaia. Daí em diante, novos parques foram criados nas três instâncias da federação. Como as categorias de áreas protegidas eram definidas por diplomas legais diversos, nasceu a necessidade de uma lei que reunisse e sistematizasse a legislação dispersa. 


Assim, foi aprovado o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) pela Lei federal n° 9.985, de 18 de julho de 2000. As áreas protegidas foram agrupadas em duas categorias: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável. O parque integra o primeiro grupo e tem como propósito: “Art. 11 (...) a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. (§ 1o). O Parque é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei. (§ 2o) A visitação pública está sujeita às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração, e àquelas previstas em regulamento. (§ 3o) A pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão responsável pela administração da unidade e está sujeita às condições e restrições por este estabelecidas, bem como àquelas previstas em regulamento. (§ 4o) As unidades dessa categoria, quando criadas pelo Estado ou Município, serão denominadas, respectivamente, Parque Estadual e Parque Natural Municipal.


As duas maiores restingas do Estado do Rio de Janeiro situam-se na região norte. Ambas vem sendo alvo de interesse científico desde a década de 1970. A proteção de seus ecossistemas pelo simples efeito da Lei tem fracassado.  Elas têm recebido atenção desigual. A que se estende de Macaé a Barra do Furado tem sido bem mais estudada que aquela entre o cabo de São Tomé e a praia de Manguinhos. Tal interesse reflete-se também nas propostas de proteção dos seus ecossistemas aquáticos e terrestres. Em 1979, o Plano Anual de Atividades Físicas da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente incluiu a restinga sul como área a ser estudada para fins de proteção. Num simpósio internacional no Rio Grande do Sul, realizado em 1982, foi apresentada proposta de proteção de todas as restingas do Estado do Rio de Janeiro. Os esforços conjuntos da extinta FEEMA, do International Waterfowl Bureau, da Universidade de Brasília e da Universidade Federal de São Carlos resultam numa proposta de Reserva Biológica Federal para a restinga sul, em 1984. Ainda nesse ano, Norma Crud insistiu na importância de uma Reserva Biológica para a restinga de Macaé a Barra do Furado. Finalmente, foi criado o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, entre Macaé e Quissamã, por decreto federal, em 1998. 

Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba

Já a área de restinga entre o Cabo de São Thomé e a praia de Manguinhos não mereceu a mesma atenção, apesar de sua degradação. O Plano Anual de Atividades Físicas da FEEMA, de 1979, incluiu-a na segunda etapa de seu projeto de estudos e proteção. Foram propostos, para ela, estudos com o fim de proteção na área entre Barra do Furado e Atafona pelo Plano Anual de Atividades Físicas da FEEMA de 1979, como desdobramento dos planos destinados à restinga sul. A proposta geral de proteção das restingas fluminenses apresentada em simpósio internacional ocorrido no Rio Grande do Sul, em 1982, também a incluía, já que se destinava a todas as restingas do Estado do Rio de Janeiro. No I Simpósio sobre Restingas Brasileiras, propôs-se sua proteção por uma APA. Em 1992, o Centro Norte Fluminense para Conservação da Natureza apresentou proposta de criação de Estação Ecológica Estadual, com gestão da Universidade Estadual do Norte Fluminense.


Posteriormente, tentou-se viabilizar a implantação da APA de Iquipari pela Câmara de Vereadores de São João da Barra. No fim do século XX, havia apenas dois estudos mais detalhados sobre a restinga norte, ao passo que a restinga sul é das mais estudadas do Brasil. Ambas foram incluídas na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica na condição de Área de Pesquisa Experimental e Recuperação.

Lagoa do Açu

Os problemas que mais afetam os ecossistemas das duas restingas do norte fluminense, atualmente, são a poluição, a eutrofização, o assoreamento, a drenagem total ou parcial de lagoas, os aterros, a urbanização de margens, as aberturas de barra e a pesca predatória, no que concerne às lagoas costeiras. Já os ecossistemas vegetais nativos vêm sofrendo desmatamento tanto para fornecimento de energia quanto para abrir espaço à agricultura, à pecuária e à urbanização.


Com relação ainda à proteção de uma amostra significativa dos ecossistemas da restinga de Paraíba do Sul no âmbito do município de Campos dos Goytacazes, o Plano Diretor Participativo selecionou uma grande área para proteção na costa campista, estendendo-se da lagoa do Lagamar, já protegida em tese por uma Área de Proteção Ambiental (APA).

Parque Estadual da Lagoa do Açu

Algum tempo depois, o Instituto Estadual do Ambiente viu na instalação do complexo industrial-portuário do Açu uma oportunidade para, finalmente, implantar uma Unidade de Conservação no âmbito da área reservada pelo Plano Diretor de Campos. Foi selecionada a lagoa do Açu da sua barra ao banhado da Boa Vista. Nasceu assim o Parque Estadual da Lagoa do Açu.


Do processo, consta a proposta final de criação da nova Unidade de Conservação.

Área do Parque da Lagoa do Açu

No seu interior, uma pequena área de restinga ficou de fora do traçado do Parque. Para ela, houve a proposta de proteção pela prefeitura de Campos por por Jorge Assumpção (“Proposta de desapropriação da área de vegetação de restinga de 6 km² situada na localidade de Xexé-Farol de São Thomé-Campos dos Goytacazes-RJ, para implantação de uma Unidade de Conservação”).


O Parque foi criado pelo Decreto Estadual nº 43.522 de 20 de março de 2012. Como compensação ambiental, o complexo industrial-portuário do Açu comprometeu-se a ficar com os encargos de sua manutenção.  Agora, ele completa dez anos de existência. Espera-se a sua progressiva consolidação, pois se trata de uma das poucas áreas protegidas do norte fluminense. Além de sua beleza cênica, é muito grande a sua importância para pesquisa.


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