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quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Seca e fogo nas praias de Campos

Por Arthur Soffiati

A economia de mercado vem mudando a atmosfera dos últimos dez mil anos, lançando nela gases que estão elevando as temperaturas médias do planeta. O principal gás é o carbônico, mas não o único. As mudanças climáticas estão afetando a antiga normalidade meteorológica. Nos meses de chuva, pode chover mais do que o normal. Nos meses de estiagem, a secura pode aumentar. A umidade relativa do ar se reduz mais ainda. As chuvas torrenciais fustigam campos e cidades. Ventos fortíssimos podem arrasar centros urbanos, como se observa em Santa Catarina. Furacões e tufões impetuosos se tornam mais frequentes.

Quem perde com tais mudanças? As pessoas e a economia. Exatamente as pessoas que adotaram um comportamento destruidor da natureza impelidos por uma economia que deseja transformar tudo em produto para auferir lucros. Tudo é dinheiro. Poluir a baía de Guanabara é econômico por não exigir o tratamento do esgoto e a destinação apropriada do lixo. Despoluir a baía também gera lucro.

Derrubar grandes parcelas da floresta amazônica pode gerar lucro de duas maneiras: vendendo-se a madeira obtida e transformando-se a área desmatada em pastos. É um lucro mesquinho e imediatista porque a redução da Amazônia provoca prejuízos imensos dentro e fora dela. Mas os desmatadores parecem estar de olho apenas no que está no solo e no subsolo da Amazônia: terras para transformar em pastagens e buracos para encontrar minérios.

A Amazônia se autoalimenta. Ela produz o seu adubo com as folhas mortas e as chuvas que a umidificam. Em vários ambientes, o fogo faz parte do ciclo ecológico, como no Cerrado, por exemplo. Na Amazônia não. Lá, não há combustão espontânea porque a umidade da floresta não permite. Assim, o fogo na Amazônia é sempre criminoso. Ele só existe porque desmatadores abrem clareiras na floresta, deixam os troncos secarem e ateiam fogo neles.
Incêndio na Amazônia

A destruição da Amazônia não traz desequilíbrios apenas para a grande floresta. Todo o cone sul do continente sul-americano é um presente da Amazônia. A floresta absorve água das chuvas que provém de nuvens formadas sobre o oceano Atlântico e empurradas para o continente. A grande mata produz a evaporação da água recebida do Atlântico, gerando novas nuvens. Os ventos as empurram em direção à cordilheira dos Andes, onde elas esbarram e são desviadas para o sul. Os cientistas chamam esse grande volume de água acumulado em nuvens de rios voadores. A Amazônia produz chuvas para a Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai, Uruguai e parte da Argentina. Também abastece os rios das regiões Sudeste e Sul do Brasil. Sem a Amazônia, o Sudeste e o Sul seriam um deserto. Para comprovar, que o leitor acompanhe com o dedo o paralelo 24° sul. Ele encontrará os desertos de Atacama, de Kalahari e da Austrália. Entre o primeiro e o segundo, encontrará a região Sudeste do Brasil. Ela só não é um deserto por conta dos rios voadores provenientes da Amazônia.

Mas a destruição da grande floresta está mudando outros ambientes. Os incêndios que assolam o Pantanal Matogrossense são os mais inclementes desde que as medições meteorológicas passaram a ser feitas. O maior banhado do mundo está sofrendo com a seca e os incêndios. A maioria é criminoso. O abastecimento dos rios do Sudeste e do Sul também está comprometido pelas chuvas irregulares. As mudanças climáticas estão trazendo prejuízos para o agronegócio do Cerrado, o mesmo agronegócio que produziu desmatamento. Agora, existe uma pressão internacional em favor da Amazônia. Não mais vinda de cientistas e ambientalistas apenas, mas também – pasmem – dos fundos financeiros internacionais. Os mesmos que financiaram o desmatamento e agora mudam de posição por pressão de seus investidores.
Incêndio no Pantanal

No Sudeste e parte do Sul, existia antigamente a Mata Atlântica, que se estendia para o Nordeste. Essa mata também conservava água. Na Baixada Campista, as florestas não cresciam pela excessiva umidade. Existiam muitas lagoas. Elas também colaboravam para manter o ambiente mais úmido. Mais de 90% das lagoas e da Mata Atlântica foram destruídos. Era para vivermos numa região desértica se não fosse a Amazônia, que já está demonstrando cansaço e não está nos abastecendo como antes em termos de chuvas. As mudanças climáticas também provocam chuvas torrenciais, como as que se precipitaram no verão de 2020, e secas bíblicas, como a que vivemos em 2015-16 e em 2020.
Queimada de canavial

Com a vegetação seca, fica fácil o trabalho dos incendiários. Na zona canavieira de Campos e São Francisco de Itabapoana, as queimadas de cana na época das colheitas passas para outras formas de vegetação. Em Campos, mais de uma vez, o fogo proposital ateado em canaviais passou para o tufo de Mata Atlântica do Morro do Itaoca e até mesmo para o que resta de floresta no Imbé.
Morro do Itaoca depois de incêndio

Em São Francisco de Itabapoana, o fogo proposital ateado em canaviais para facilitar o corte e também para a limpeza de pastos não só destrói a vida que confere fertilidade ao solo, como afeta animais silvestres que ainda existem, sempre ameaçando o que restou de mata no município, hoje protegida pela Estação Estadual de Guaxindiba.
Fogo em Guaxindiba

O fogo está ameaçando o Farol de São Thomé e Xexé, as duas praias de Campos. Como se sabe, elas receberam o plantio intensivo de amendoeiras, coqueiros e casuarinas. As duas primeiras espécies não resistiram ao vento e ao ar salino da costa campista. Restaram apenas as casuarinas porque suas folhas são finas, em forma de fio, mostrando uma forte resistência ao vento e à salinidade. A concentração maior dessa árvore ocorre em Xexé. Ela é natural da Austrália.

Suas folhas finas, ao caírem, acumulam-se no chão como uma palha. Com a estiagem intensa que a região sudeste enfrenta, qualquer fósforo desencadeia fogo destruidor e criminoso. Há informações de que esses incêndios são propositais. Não importa a motivação. Fogo provocado intencionalmente é crime. Ele atinge a vegetação nativa de praia, com porte rasteiro, e ameaça residências próximas.
Fogo em casuarinas

Mas a estiagem está provocando atentados piores. Entre Xexé e Farol, existe uma amostra rica e demonstrativa de vegetação herbácea e arbustiva de restinga. Ela é natural e está adaptada aos ventos. Na parte mais próxima do mar, os ventos não deixam que as plantas assumam porte maior. Daí as espécies, nessa primeira faixa, serem herbáceas. Essas plantas rasteiras reduzem a velocidade do vento e permitem que espécies arbustivas, de porte maior, possam crescer na segunda faixa. Entrando mais na restinga, ainda é possível encontrar espécies arbóreas. Essa amostra de restinga deveria ter sido incorporada ao Parque em vez de Xexé, que já está urbanizado.

A seca de 2020 se mostra tão inclemente que está afetando a vegetação desse trecho de restinga. Então, os incendiários simplesmente ateiam fogo à vegetação ressecada. A população costuma também jogar lixo na vegetação nativa, sobretudo nas suas bordas. Depois ateiam fogo ao lixo. Esse fogo se alastra e provoca incêndios. Sei que os incendiários conhecem os danos provocados pelo fogo no solo, na vegetação, na fauna e na atmosfera. Sabem também que o uso de fogo é crime. Além do mais, o que não devem saber, é que o fogo contribui em escalas distintas para o acúmulo de gases do efeito-estufa. Em vez de essas pessoas ajudarem na construção de um mundo melhor, deixam sua contribuição para um mundo pior com o uso do fogo. Não apenas para o solo, a flora e a fauna, mas para os humanos, para seus descendentes.   
 Vegetação nativa de restinga queimada por fogo criminoso

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