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domingo, 9 de junho de 2019

Restaurando parcialmente o rio Iguaçu

Por Arthur Soffiati

Já escrevi mais de uma vez, neste espaço, que antes do canal da Flecha e da vala do Furado, a lagoa Feia escoava por vários braços na sua parte sul. Esses braços derivavam de forma sinuosa a se juntavam num só curso d’água registrado em muitos documentos com o nome de rio Iguaçu. Ele corria paralelo à costa da praia do Farol, que ainda não tinha esse nome, formava a lagoa do Lagamar, saía pela margem esquerda dela, recebia água do rio Paraíba do Sul por vários braços extravasores, mergulhava no grande banhado da Boa Vista e voltava a ser um rio em direção à foz, onde ainda recebia o rio do Veiga com último afluente.

Esse rio foi conhecido pelos europeus e seus descendentes antes do rio Paraíba do Sul. Os Sete Capitães, que iniciaram a colonização contínua da baixada do Goytacazes, tomaram a sua foz como ponto de referência para demarcarem sete grandes lotes de terra (sesmarias) até a foz do rio Macaé. Dentro dele, ainda se encontram marcos de pedra deixados pelos jesuítas.

A primeira intervenção dos colonos foi a abertura da vala do Furado, em 1688, pelo capitão José de Barcelos Machado, herdeiro indireto de um dos Capitães e dono do Morgado de Capivari. Sua intenção era escoar mais rapidamente as águas acumuladas nos períodos de chuva para o mar. A segunda grande intervenção só foi efetuada entre 1940 e 1950, com a abertura do grande canal da Flecha, ligando a lagoa Feia ao mar em caráter permanente. O canal dividiu o rio Iguaçu em dois segmentos. O primeiro começa na lagoa Feia e termina no próprio canal da Flecha. Ele é conhecido por rio do Espinho ou Barro Vermelho. 

Em azul, o antigo rio Iguaçu; em vermelho, a vala do Furado (1688); em marrom, o canal da Flecha (1942-1950). Base: planta desenhada por Alberto Ribeiro Lamego

O segundo começa na margem esquerda do canal da Flecha, indo até o Lagamar. Parte dele foi aproveitado para a abertura do canal do Quitingute. O trecho que se estende até o banhado da Boa Vista foi todo seccionado por barragens de terra e pela estrada Campos-Farol. Além do mais, ele está muito poluído pelos despejos de esgoto e lixo provenientes da urbanização do Farol de São Thomé. 
Trecho do rio Iguaçu entre a lagoa do Lagamar e o banhado da Boa Vista interrompido por duas barragens. Ao fundo, o mar. Entre o mar e o rio, a urbanização adensada responsável pelo lançamento de esgoto e lixo no rio, cujas águas revelam eutrofização com a proliferação de algas

O banhado da Boa Vista também foi afetado pela rodovia de acesso ao Farol. Daí em diante, o banhado se alastra soberano, formando a lagoa do Açu, trecho final do antigo rio Iguaçu.  Esse trecho está teoricamente protegido pelo Parque Estadual da Lagoa do Açu – PELAG. Não é mais possível restaurar o rio integralmente mantendo o canal da Flecha, mas o trecho que se estende da margem esquerda do canal até a foz mereceria perfeitamente a atenção do INEA e da prefeitura de Campos para a sua restauração. Assim, a questão ambiental sairia do discurso para a prática. Esbocei uma proposta, que apresento para análise das autoridades competentes.
Rodovia Campos-Farol interrompendo a ligação do rio Iguaçu com o banhado da Boa Vista. Nota-se um bueiro subdimensionado sob ela e a urbanização adensada.

Trecho 1: do canal da Flecha ao Lagamar

O canal da Flecha permanentemente aberto poderia permitir que peixes e outros animais aquáticos alcançassem o banhado da Boa Vista e a atual lagoa do Açu sem a necessidade de se recorrer periodicamente a aberturas da barra da lagoa, evitando o choque térmico e salino.

Contudo, a vedação permanente do buraco do Ministro impede que a fauna aquática penetre no estirão desativado do rio entre o canal da Flecha e o Lagamar. Se o buraco do Ministro fosse aberto no período da piracema, animais aquáticos proveniente do mar pelo canal da Flecha poderiam alcançar o Lagamar. Contudo, a água do mar poderia alcançar o encontro dos canais de São Bento e Quitingute com o canal da Flecha, afetando a agropecuária. A salinização já é um problema sério na zona costeira de Campos.

Para evitar novos conflitos entre ruralistas e pescadores, três comportas manejáveis deveriam ser instaladas no trecho entre o canal da Flecha e o Lagamar: uma no buraco do ministro; outra no encontro do canal do Quitingute em direção ao norte e uma terceira entre o canal do Quitingute e o estirão abandonado do rio Iguaçu até o Lagamar, de acordo com a figura abaixo. Todas a serem abertas no período da piracema.
Comportas no estirão do rio Iguaçu entre o canal da Flecha e o Lagamar: 1- Buraco do Ministro; 2- ligação do rio Iguaçu com o canal do Quitingute em direção ao norte; 3- ligação do canal do Quitingute com a lagoa do Lagamar

Trecho 2: do Lagamar ao banhado da Boa Vista

Com esse sistema de três comportas instalado, os peixes chegariam ao Lagamar, mas teriam dificuldade de alcançar o banhado da Boa Vista e a lagoa do Açu, já que o estirão do rio Iguaçu até o banhado foi todo fragmentado por barragens e pela estrada Campos-Farol, além de muito poluído por esgoto e lixo. As travessas que seccionam o rio nesse ponto não precisariam ser retiradas. Bastariam bueiros devidamente dimensionados, embora uma restauração verdadeira do rio exigisse que as travessas fossem removidas e substituída por uma ponte para passagem de pessoas e de veículos. O bueiro sob a estrada Campos-Farol deveria ser adequadamente dimensionado. A ilustração abaixo mostra o curso mutilado do rio Iguaçu e a densa urbanização do Farol de São Tomé. A margem esquerda do Iguaçu tem espaço para permitir a sua restauração.
Situação do rio Iguaçu entre o Lagamar e a rodovia Campos-Farol: barragens e despejo de resíduos líquidos e sólidos

Tomadas essas medidas, peixes e outros animais aquáticos poderiam circular do canal da Flecha até o banhado da Boa Vista e a lagoa do Açu sem necessidade da abertura periódica da barra do Açu e sem choques térmicos e salinos em razão da distância entre as extremidades. Mas, acompanhando as piracemas, a língua salina chegaria ao banhado. Em princípio, o volume de água doce do grande corpo d’água diluiria a salinidade. Se ela afetar a água, o solo e a agropecuária, pode-se instalar uma comporta nas Cruzes, onde já existiu uma, restando dela apenas a estrutura de concreto, que não deve ser demolida, pois, caso seja necessária uma nova comporta para impedir que a cunha salina suba o banhado e retorne pelo canal do Quitingute, pode-se reformá-la. Caso as breves aberturas no canal da Flecha permitam o avanço da água salgada no canal do Quitingute em direção ao Paraíba do Sul, então seria necessário instalar uma comporta no ponto em que ele desemboca no banhado. A figura abaixo assinala os pontos em que as comportas deveriam ser instaladas. 
Comportas: 4- Cruzes; 5- desembocadura do canal do Quitingute no banhado da Boa Vista
Contida por comportas, o sal não afetaria a agropecuária. Ele ficaria retido nos remanescentes do rio Iguaçu, na lagoa do Lagamar, no banhado da Boa Vista e na lagoa do Açu. Caberia também o bloqueio do canal que foi aberto entre as lagoas do Açu e Salgada para evitar que a salinidade da segunda fosse diluída pela água doce da primeira, descaracterizando a hipersalina lagoa Salgada e a formação de estromatólitos, preciosos fósseis recentes.

Trecho 3: do banhado da Boa Vista à foz 

Esse é o trecho menos problemático. A língua salina pode fluir livremente, embora o acúmulo de sal possa afetar a flora e a fauna. A restauração de parte do rio permitiria, assim, o repovoamento da lagoa com animais aquáticos provenientes do mar. Eles entrariam por trás (montante) do Iguaçu e não pela frente (jusante) dele. 



Fotos: do autor

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