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quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Notas sobre o mangue-de-botão

Por Arthur Soffiati

1- No monumental e antigo “Dicionário das plantas úteis do Brasil”, Manuel Pio Corrêa coloca o mangue-de-botão ao lado de “Bucida buceres”, com o nome cientifico de “Conocarpus erecta”. Hoje, é “Conocapus erectus”. A descrição da espécie, no dicionário, é a seguinte: “Árvore ou arbusto de ramos angulosos ou estreitamente alados e com a casca vermelho-escura, muito fendida e revestida de epiderme preta, fácil de desprender-se; folhas pecioladas, de 3-8 cm de comprimento e 10-28 mm de largura, lanceoladas ou elíticas, com ápice agudo ou por vezes arredondado, estreitadas na base, membranosas, glabras ou quase; estames e estilos exsertos; capítulos frutíferos 8-15 cm, os frutos drupáceos de 8-15 cm. Das Guianas até São Paulo. Fornece madeira pesada, de tecido e cor amarelada, com veias róseo-pardacentas, que se tornam amarelo-claras quando secas, que serve para caibros, moirões, lenha e carvão. A casca, embora muito salitrosa, e as folhas são adstringentes e servem para curtume. Passa por útil contra as afecções catarrais, glicosúria e sífilis. Tem as variedades: arbórea, de folhas estreito-lanceoladas e glabras; procumbens e serícea”. 

Integra a família combretácea. Houve dança nas famílias e uma proposta recente de classificação ainda não adotada. Muitas plantas mudaram de casa, mas o mangue-de-botão e o mangue branco (“Laguncularia racemosa”) continuaram na família das combretáceas. A descrição da planta é típica do botânico. Além do mais, fazendo jus ao título do dicionário, Pio Corrêa arrola suas utilidades. A distribuição foi revista e se ampliou bastante. Pena que Pio Corrêa não tenha ilustrado a descrição com um dos maravilhosos desenhos dedicados a várias outras plantas no dicionário. (“Dicionário das plantas úteis do Brasil e das exóticas cultivadas”, 5° vol. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1926-1952/Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, 1969-1978).

2- Busco uma descrição do mangue-de-botão em Guilherme Piso (“História natural e médica da Índia Ocidental”. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1957) e George Marcgrave (“História natural do Brasil”. São Paulo: Museu Paulista, 1942), naturalistas holandeses que acompanharam Maurício de Nassau ao Brasil para governar a colônia que a Holanda fundou no Nordeste brasileiro no século XVII. Nada encontrei. Sobretudo Piso foi um naturalista minucioso, que empreendeu a descrição de muitas plantas e animais ainda desconhecidos da ciência europeia. No tempo de ambos, ainda não havia o sistema de classificação atual.

3-   No século XVIII, o naturalista sueco Carl Nilsson Linnæus (1707-1778) ordenou os seres vivos por relações de parentesco, criando a nomenclatura binária cujo primeiro nome indica o gênero do organismo e o segundo nomeia a espécie. Assim, “Conocarpus” é o nome do grupo de um tipo de planta e “erectus” indica a espécie em si. Existe uma proposta que parece mais simples: a espécie se relaciona a um galho evolutivo. Mas ela ainda está em estudo.

4- O holandês Nikolaus Joseph von Jacquin (1727–1817) tinha o título de barão, era médico e botânico. Von Jacquin é considerado o primeiro cientista europeu de renome a visitar a América. O imperador Francisco I enviou-o em viagem às colônias espanholas no novo continente para coletar plantas raras e exóticas destinadas aos parques imperiais de Viena e do palácio de Schönbrunn. A viagem se estendeu de 1755 a 1759. Von Jacquin foi o primeiro naturalista a utilizar o sistema taxonômico de Lineu. Em sua famosa obra “Relato de uma seleção de plantas da América”, ele descreve plantas nativas da Martinica, Cuba, Jamaica, São Domingos e das regiões litorâneas caribenhas de Cartagena. A obra em dois volumes foi publicada pela primeira vez em 1763 em Viena. A edição inclui 81 ilustrações pintadas à mão atribuídas a Ferdinand Bauer (1760–1826), que também pintou o frontispício do livro. Von Jacquin igualmente desenhou várias estampas.

Ele registrou algumas espécies de mangue. Como não poderia deixar de acontecer, o gênero que mais chamou a atenção de Von Jacquin foi o mangue vermelho (“Rhizophora”), com suas ramificações do caule e seu propágulo (semente) extraordinários. Ele registrou a “Rhizophora mangle” em duas pranchas. Registrou também o mangue preto, no Brasil mais conhecido por siriba, siribeira, siriúba e outros nomes locais. A primeira descrição da siribeira (“Avicennia germinans”) coube a ele. O mais interessante foi a descrição do mangue-de-botão pelo nobre naturalista. 
Estampa de “Conocarpus erectus” em “Relato de uma seleção de plantas da América”, de Nikolaus Joseph von Jacquin

5- Em sua famosa excursão científica do Rio de Janeiro a Salvador, em 1815, o príncipe Alemão Maximiliano de Wied-Neuwied encontrou o mangue-de-botão em vários manguezais por onde passou. Fui a alguns desses manguezais e não avistei nenhum exemplar. Maximiliano era um naturalista com interesse muito grande por aves. Talvez por isso enxergasse comodamente o mangue-de-botão nos manguezais por onde passava (“Viagem ao Brasil”. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1989). Acontece que, em sua expedição, ele contava com a presença de Friedrich Sellow, também alemão e dedicado à botânica. Teria o príncipe confiado no seu próprio conhecimento e denominado espécies de manguezal como mangue-de-botão generalizadamente?  

6- A excursão de Maximiliano de Wied-Neuwied se estendeu de 1815 a 1817. Em 1818, o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire seguiu em parte os passos do príncipe. São parcos os registros do francês sobre manguezais e nenhum sobre o mangue-de botão. Pelo menos, eu não encontrei qualquer anotação sobre ele (“Viagem pelo Distrito dos Diamantes e litoral do Brasil”. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1974 e “Viagem ao Espírito Santo e Rio Doce”. Belo Horizonte: Itatiaia/São Paulo: Edusp, 1974). Concluo que os naturalistas europeus estavam interessados nas grandes florestas brasileiras, como a Mata Atlântica e a Amazônia. As outras formas de vegetação não mereceram tanto sua atenção.

7- A distribuição do mangue-de-botão abrange os oceanos Atlântico, Pacífico e Índico. A maior concentração da espécie se encontra na costa atlântica, da Flórida ao Paraná. Em segundo lugar, está a costa atlântica da África. No Índico e no Pacífico, ela se torna uma espécie escassa. O mapa abaixo mostra a distribuição do mangue-de-botão.
 Mapa mostrando a distribuição do mangue-de-botão no mundo

8- Leonardo von Linsingen e Armando Carlos Cervi registraram a ocorrência do mangue-de-botão na Área de Proteção Ambiental de Paranaguá, no Paraná, unidade de conservação em ótimo estado segundo os autores. A planta apresenta limite austral de distribuição na região da baia de Paranaguá, Paraná, sendo a primeira citação da espécie no sul brasileiro (Conocarpus erectus Linnaeus, nova ocorrência para a flora do Sul do Brasil. “Adumbrationes ad Summae Editionem”, 26: 1-6. Madrid, 12-5-2007). A pesquisadora Clarice Panitz, com larga experiência em manguezais, em informação pessoal, diz nunca ter encontrado a espécie em Santa Catarina. Considera-se, então, a baía de Paranaguá como o limite sul de ocorrência da espécie.
9- Exultei ao ler um folheto turístico sobre o arquipélago de Galápagos e encontrar a informação de que lá ocorrem quatro espécies de mangue: mangue vermelho, mangue preto, mangue branco e mangue-de-botão. Encontro essas quatro espécies perto da minha casa, na barra do Açu. Vi, nas quatro espécies de mangue de Galápagos, uma ligação entre o arquipélago onde Darwin intuiu a teoria da evolução e a região em que moro. Passei a ver o manguezal como um sistema global. As espécies variam, mas o ecossistema é o mesmo em quase toda a zona intertropical. Só não o encontramos numa vasta área do oceano Pacífico sem qualquer porção continental.

10- Conheci o mangue-de-botão ao vivo na ilha de Itamaracá, em Pernambuco. Eu estava num congresso. Fomos à ilha para conhecer Lia, a famosa compositora e cantora de Itamaracá. Falei do meu interesse pelo mangue-de-botão com uma participante do evento sem esperar que houvesse exemplares na ilha. Ela me apresentou a uma planta que eu só conhecia por leitura. 

11- Conversando com a bióloga Norma Crud sobre meu contato direto com a planta, ela me informou que a maior população da espécie no estado do Rio de Janeiro se encontrava bem perto de mim, na lagoa do Açu. Embora morasse a poucos quilômetros dessa lagoa, eu não a conhecia. Esperei que a própria Norma, numa de suas incansáveis excursões científicas pelo estado, me levasse até lá. De fato, um bosque espesso se formou na barra da lagoa sobre as dunas, A lagoa outrora foi um rio importante da baixada campista, conhecido como Iguaçu.

12- Essa visita motivou Norma e revisitar os exemplares de mangue-de-botão que ela conhecia no território estadual. Fomos à Região dos Lagos, onde ela havia registrado dois exemplares de porte arbóreo. Não o encontramos. Ou não conseguimos localizá-lo ou tinham sido contados. Fomos a Agra dos Reis, onde havia também um pequeno bosque da espécie. Não conseguimos encontrá-lo também.

13- Tentei produzir mudas de mangue-de-botão a partir de suas sementes. Seu fruto é esférico, mostrando as sementes concentradas. Separei-as e plantei-as em areia colhida no local do fruto. Nunca houve germinação. Tentei várias vezes sem qualquer êxito. Cansado das tentativas, colhi uma muda na lagoa do Açu e a plantei no meu quintal, em Campos dos Goytacazes-RJ. Ela se desenvolveu e alcançou porte muito maior que o dos exemplares da lagoa. Seu caule lenhoso atingiu a estatura de uma árvore, com cerca de 15 metros. Aquela planta me orgulhava. Eu sempre a apresentava aos visitantes do meu quintal. Aos especialistas em manguezal, eu perguntava de que espécie se tratava. Eles se surpreendiam com o porte alcançado. Alguns anos mais tarde, as folhas da árvore começaram a cair e secar. Ela morreu. O solo em que estava era argiloso e as condições ambientais de onde obtive a muda eram parecidas no meu quintal, mas não eram as mesmas.

14- Os especialistas em manguezal dizem que o mangue-de-botão não é rigorosamente uma espécie exclusiva do ecossistema. Não se trata de um mangue verdadeiro, que cresce apenas em estuários, em água salobra. Nas poucas vezes em que ouvi falarem ou escreverem sobre ele, aprendi que a espécie não gosta muito de água em seus pés. Ela cresceria, assim, junto a manguezais, mas fora da área banhada por marés. De fato, só tenho encontrado o mangue-de-botão em lugares não atingidos por marés, mas não totalmente livre da água.
Bosque de mangue-de-botão em pequena duna na barra do Açu

15- Já não se pode dizer o mesmo sobre sua resistência à salinidade. Sem ser biólogo, tenho encontrado exemplares robustos de mangue-de-botão em ambientes de alta salinidade. Um deles, é a hipersalina lagoa de Araruama. Nas margens do rio Salgado, que desemboca nesta lagoa, a espécie cresce com facilidade.
Viçosos exemplares de mangue-de-botão na margem da lagoa de Araruama

Pequeno bosque de mangue-de-botão na margem do rio Salgado

16- Também encontrei exemplares desenvoltos na margem da lagoa Salgada, também hipersalina, dividida pelos humanos entre os municípios de Campos dos Goytacazes e São João da Barra. Como eles poderiam chegar até lá, se a lagoa Salgada está isolada de outras? Um canal entre ela e a lagoa do Açu foi aberto. Por ele, subiram propágulos de mangue branco (“Laguncularia racemosa”) que colonizaram as margens do canal, mas nunca entraram na lagoa Salgada. Sementes do mangue-de-botão, contudo, entraram naquele ambiente que se assemelha ao apicum ou é favorável aos campos salinos. O mangue-de-botão é uma espécie que se desenvolve bem em dunas perto de manguezais ou no apicum, a parte mais seca e mais salgada do manguezal.
Conjunto de exemplares de mangue-de-botão na margem da lagoa Salgada – Campos dos Goytacazes - RJ

17- Aliás, encontrei, no âmbito da lagoa Salgada, talvez a área mais salina da planície fluviomarinha do norte fluminense, campos muito semelhantes a marismas. Perguntei ao pescador que me guiava se ele sabia o nome da gramínea que crescia quase de forma monodominante em grandes extensões da restinga. Ele me respondeu que era conhecida como paturá. O nome remete a praturá (“Spartina alterniflora”), espécie típica dos marismas ou campos salinos. Sem formação apropriada, necessito de análises efetuadas por ecólogos, limnólogos e botânicos. Sei apenas que se trata de uma planta da família poácea com grande resistência à salinidade.
Possível marisma às margens da lagoa Salgada, Parque Estadual da Lagoa do Açu- Campos dos Goytacazes - RJ

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