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quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Os 517 anos do Cabo de São Thomé

Por Arthur Soffiati

Até 1925, o dia de São Thomé era celebrado em 21 de dezembro pela Igreja Católica Apostólica Romana. Depois, passou a ser festejado em 3 de julho para não conflitar com o dia de São Pedro Canísio, também em 21 de dezembro.


Discutindo a exploração de reconhecimento da costa da América do Sul pela expedição naval de1501, Moacyr Soares Pereira conclui que ela foi capitaneada por Gaspar de Lemos e contou com a presença do grande navegador Américo Vespúcio (“A navegação de 1501 ao Brasil e Américo Vespúcio”. Brasil: ASA Artes Gráficas, 1984). 

Gaspar de Lemos veio na esquadra de Pedro Álvares Cabral e retornou a Portugal para dar ao rei a notícia de que o Brasil havia sido encontrado. A discussão entre “descoberto” e “encontrado” vai longe. Mas o Tratado de Tordesilhas, de 1494, assegurou as terras do Brasil para Portugal antes mesmo de se chegar a elas. Trata-se de uma forte evidência acerca do conhecimento que os navegantes tinham da sua existência. Assim, o Brasil foi encontrado e não achado pelos portugueses.

Em 1501, houve de fato uma expedição de reconhecimento da costa, como sustenta Moacyr Soares Pereira. Escreve o autor: “Cavério e os outros dois mapas (de Kunstmann II e de e Maggiolo) somente consignam uma serra à altura do Cabo de São Thomé atual, no estado (atual) do Rio de Janeiro, a ‘Serra de Sam Thomé’, nome por que logo ficou conhecido o cabo existente no sítio onde a costa sofre brusca inflexão para oeste-sudoeste, O.S.O. 

O santo é festejado no dia 21 de dezembro, o que se acorda com o desenvolvimento da navegação da armada, que a 13 deste mês se achava no rio de Santa Luzia (Caravelas). Tudo indica que foi a Serra Itaoca, a 21º 47` S, a denominada São Thomé. É uma pequena serra de quase 700 metros de altura, que fica abaixo das nuvens e sempre visível para os que navegam não longe da terra e diante do Cabo. Completamente isolada no meio da planície goitacá é o único ponto de relevo da região. Ela permaneceu com o seu nome indígena, ‘casa de pedra’, e o cabo ganhou a sua primitiva denominação cristã de São Thomé.”

Cabem algumas observações a esta passagem. Em 1501, a dia de São Thomé ainda era 21 de dezembro. Não se manteve o nome indígena de Itaoca para a elevação. Itaoca é uma palavra tupi composta, não um vocábulo goitacá. Os nativos do norte-noroeste fluminense pertenciam ao grande tronco linguístico macro-gê. Das línguas faladas por eles, nada sobrou na toponímia. Portanto, o nome de Itaoca dado ao morro é iniciativa do colono, não do índio. A elevação conta com 400 metros de altitude, não com 700. A visão de um navegador em seu navio frente ao cabo de São Thomé de fato capta o morro do Itaoca na grande planície goitacá. Contudo, mais ao fundo, capta também o segmento da Serra do Mar conhecido por Imbé na região. O cabo conservou, desde 1501, o nome do santo: Thomé.

  O mapa de Caverio foi desenhado por volta de 1506 por Nicolay de Caveri. Ele está guardado na Bibliotèque Nationale de France. Desenhado e colorido à mão em pergaminho, o mapa de Caverio tem dez seções ou painéis, formando um retângulo de 2,25 por 1,15 metros. Ele serviu de base para o mapa de Waldseemüller, de 1507. Por isso, ele é comumente datado de 1506.

O mapa Kunstmann II foi pintado por um cartógrafo anônimo em torno de 1506. Ele é também conhecido como carta mundial "Quatro Dedos". Supõe-se que seu autor tenha sido Américo Vespúcio, que integrou a expedição de 1501. O de Maggiolo é de 1504. 

Os três contêm muitas informações e exigem visualização ampliada para identificação dos acidentes geográficos. Por tal motivo, recorreremos a quatro mapas. O primeiro é uma carta de 1534, desenhada por Gaspar Viegas, sobre a qual assinalamos o cabo de São Thomé em grafia atual. A intenção é mostrar o cabo, que se tornou uma referência para a navegação costeira do Brasil, em três momentos no século XVI. Esse é o primeiro momento da integração do Brasil ao mundo ocidental. A planície dos goitacás, que ganhou esse nome por conta da nação que a habitava, será evitada pelo europeu por não encontrar nela porto seguro para desembarque e por temer a ferocidade dos índios. 

Assim, o cabo de São Thomé, nomeado logo no primeiro ano da chegada dos portugueses à América do Sul (1501), servirá apenas para nortear os pilotos navais. Por cronistas do século XVI, saberemos que o ancoramento na região ocorria na ilha maior do arquipélago de Santana, defronte a foz do rio Macaé, porque nela havia água doce e segurança com relação aos índios.

O primeiro mapa data de 1534, quando se instalavam as capitanias hereditárias no Brasil. Pero de Góis recebeu a capitania de São Tomé e tentou nela se instalar entre 1539 e 1546, na foz do rio Itabapoana, que era assinalado nos mapas com o nome de Managé ou Manangea.

Nesse mapa, as palavras que nomeiam os acidentes geográficos estão invertidas. Daí, grafarmos o cabo de São Thomé para facilitar sua localização.
Carta de Gaspar Viegas, de 1534, 
com o cabo de São Thomé assinalado

O segundo mapa é conhecido por “Americae sive quartae orbis” e data de 1562. Ele foi traçado por Diego Gutierrez, importante cartógrafo espanhol. Nele, aparecem o rio Amazonas (cortado aqui) e a bacia do Prata, vista com clareza a oeste em sua imponência. Do nosso interesse, visualizam-se o cabo de São Thomé, São Salvador (nome que vem do século XVI e não do XVII), Baixo dos Pargos, que foi usado como demarcação entre as capitanias de São Thomé e Espírito Santo, e depois abandonado, e o misterioso rio do Brasil.
Mapa “Americae sive quartae orbis” (1562), 
de Diego Gutierrez

O terceiro é o mapa denominado “Meridionalis Americae” (1585), de van Doetechum, cartógrafo flamengo de grande preeminência na cartografia ocidental. Visualizamos nele o rio Manangea (Itabapoana atual), o rio Paraíba, a ponta de Salvador (da qual não temos registro), a ilha de Santa Clara (também desconhecida num costa desprovida de ilhas), o cabo de São Thomé e a ilha de Mag-he (nome usado no século XVI para Macaé, certamente correspondendo ao arquipélago de Santana.  
“Meridionalis Americae” (1585), de van Doetechum

Por fim, o quarto mapa, encerrando o século XVI, data de 1599 e foi publicado pelo belga Levinus Helsius com o nome de “Nova et exacta delineatio Americae”. Trata-se de um trabalho muito detalhado quanto aos nomes de lugares e ricamente ilustrado com os costumes dos nativos, destacando-se o canibalismo, a guerra e os animais. No norte fluminense, foram assinalados a estranha ilha de Santa Clara, o cabo de São Thomé e a ponta de Salvador. No interior, o rio Paraíba e os goitacás.
“Nova et exacta delineatio Americae” (1599), 
de Levinus Helsius

De todos os acidentes, o cabo de São Thomé aparece em todos os mapas nos seus 517 anos.

Por Arthur Soffiati / Fotos: do autor

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